Meios extrajudiciais em contrato administrativo firmado por município

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“Se um paciente está doente, o médico sempre opera? Claro que não. O médico e o paciente discutem todas as soluções possíveis. Da mesma forma com o campo jurídico — para cada doença jurídica, uma variedade de opções precisa ser discutida” [1]. Essas palavras, em tradução livre, que abrem uma apresentação realizada em 1984 por Terry Simonson, então diretor do Multi-Door Courthouse Program de Tulsa, sintetizam uma das principais premissas ao se abordar a temática da solução de conflitos: é preciso que se adapte a cura jurídica ao problema específico. É com base nessa ideia que se estrutura o multi-door courthouse system (Sistema de múltiplas portas ou sistema multiportas, em tradução livre). Além de oferecer meios de resolução de conflitos diversos do adjudicatório, o sistema multiportas, após investigação específica e diagnóstico minucioso da causa em análise e das possibilidades existentes, deve encaminhar as partes para a “porta” mais adequada à solução do caso concreto, dependendo das suas peculiaridades.
Subsidiando o entendimento acima, tem-se a premissa de que uma variedade significativa de procedimentos pode fornecer uma composição mais efetiva — em termos de custo, rapidez, precisão, credibilidade (para o público e para as partes), funcionalidade e previsibilidade — do que o método judiciário estatal de litigância.
Como marco intensificador desse movimento, cita-se a Lei Federal nº 13.129/2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996) e autorizou expressamente a utilização da arbitragem pela Administração Pública direta e indireta (§1º do artigo 1º); e a Lei nº 13.140/2015, que entre outros pontos dispõe sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Da mesma forma, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021) dedicou capítulo próprio (Capítulo XII) para tratar somente dos meios alternativos de resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Todavia, se em âmbito federal e, de modo geral, em âmbito estadual, pode-se dizer que a utilização dos Mescs já é uma realidade, com um considerável grau de maturidade e uma série de louváveis iniciativas, como, por exemplo, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal; o Núcleo Especializado em Arbitragem da AGU; dentre outros órgãos e iniciativas que trazem amplo suporte e segurança jurídica para a utilização da via extrajudicial, mesmo cenário não se repete no contexto de grande parte dos municípios. O que se verifica atualmente é que existe um verdadeiro abismo entre o nível de maturação dos Mascs envolvendo a administração pública em âmbito federal e em âmbito municipal. Enquanto no primeiro os gestores já se mostram bem mais familiarizados ao tema, com órgãos especializados para a temática, o tema, em muitos municípios, nem sequer é citado.
Alguns fatores podem ser citados e analisados na busca de se tentar traçar uma causa para o diagnóstico acima.
Ademais, essa falta de conhecimento e/ou familiaridade com os Mescs ainda leva a um segundo problema: a resistência em adotá-los como alternativa ao processo judicial. Na medida em que existe um desconhecimento quanto às formas e cenários de aplicação dos Mescs, é natural que os gestores não se sintam seguros para a sua utilização, optando por permanecer exclusivamente no tradicional método judicial.
A cultura adversarial também é outro fator que não pode ser ignorado. especialmente em municípios menores ainda permanece firme a cultura predominante da litigância e adversariedade. Em âmbito de administração pública esse cenário é ainda mais enraizado, especialmente porque, como já apontado anteriormente, os gestores possuem receios e dúvidas quanto à regularidade e a aplicabilidade dos Mescs para conflitos que envolvem o poder público.
A primeira, sem dúvidas, é capacitação dos envolvidos na administração municipal, incluindo gestores, servidores públicos e contratados, sobre a possibilidade de utilização e os benefícios dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos. Mais do que capacitar os gestores para que esses familiarizem-se com os Mescs, é preciso que se dê aos mesmos segurança quanto à regularidade e possibilidade jurídica da sua utilização e aplicação nos contratos firmados pela municipalidade.
Veja-se que o momento atual é favorável para essas regulamentações e implementações, especialmente ao se levar em consideração a já citada previsão dos Mescs na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21) e a consequente necessidade dos municípios de regulamentar esta Lei. A regulamentação dos Mescs tendo como plano de fundo a Nova Lei de Licitações tem o condão de trazer maior segurança jurídica a todos os atores públicos e privados envolvidos, representando forte incentivo normativo e de gestão pública para o uso e expansão dos Mescs.
[1] “If a patient is ill, does the doctor always operate? Of course not. The doctor and patient discuss all possible solutions. Likewise with the legal field – for each legal ailment, a variety of options need to be discussed” (Trecho retirado da apresentação de Terry Simonson, Diretor do Tulsa Multi-Door Courthouse Program, em conferência realizada em 7 de novembro de 1984, registrada in RAY, Larry; CLARE, Anne L. The Multi-Door Courthouse Idea: Building the Courthouse of the future… Today. Journal on Dispute Resolution. v. 1:1, 1985, p. 7).
Por Murillo Preve Cardoso de Oliveira, advogado no escritório Schiefler Advocacia, mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, árbitro da Camesc, autor do livro Responsabilidade Civil do Estado pela Exposição Abusiva de Investigados na Mídia e de artigos na área de arbitragem e administração pública.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2023, 17h18
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28 de julho de 2023 |

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