Mediação em conflitos sobre responsabilidade civil
01. Relevância do tema.
A premissa da adoção do meio adequado à abordagem de conflitos determina a importante consideração de elementos que confirmem a mediação como meio eficaz para tal mister.
A mediação tem potencial para ser empregada como técnica de composição em diversas modalidades de disputas. No cenário atual sua adoção não tem se limitado a controvérsias sobre interesses de ordem estritamente privada: a mediação tem se verificado em praticamente todos os setores nos quais a autocomposição pode se efetivar. Prova disso é que a mediação tem terreno fértil de desenvolvimento na abordagem de conflitos familiares cujo viés publicístico é notório; merece ainda menção a preconização da justiça restaurativa, que prevê a possível realização de mediação na esfera penal.
Por força do estímulo aos meios consensuais fomentado nos meios judiciário, acadêmico e legislativo, a tendência é que haja a gradativa supressão de restrições ao seu uso, de forma que, nas situações em que não se revele possível a autocomposição, a lei o diga expressamente (como ocorre na legislação sobre improbidade administrativa[1]).
Se o conflito versar sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis em que seja admitida alguma sorte de negociação[2] (havendo, portanto, indisponibilidade relativa), ele poderá ser objeto de mediação[3]; é o que se verifica nos conflitos cíveis que envolvem direito imobiliário, direito do consumidor, direito contratual, direitos das coisas etc.
As causas cíveis que hoje predominam no foro têm por objeto situações massificadas e interesses imediatos relevantes – como as demandas sobre locação, responsabilidade civil e relações de consumo. Em tais casos, geralmente, a solução não pode demorar[4] sob pena de haver um comprometimento considerável da relação jurídica e da condição da parte. Nessa perspectiva, a mediação pode se revelar útil para que os interessados obtenham respostas céleres, propiciando o alcance do acesso à justiça em um prazo razoável.
2. Mediação e vínculo entre os envolvidos.
Costuma-se afirmar que os conflitos mais propícios a serem abordados pela mediação são aqueles em que o vínculo entre as partes é permanente e/ou continuado[5]; afinal, como elas continuarão convivendo, uma saída conjunta para os impasses pode lhes proporcionar melhores condições de continuar o relacionamento de forma salutar.
Mauro Cappelletti, ao desenvolver a noção de justiça conciliatória, entendeu-a como mais pertinente nos casos em que as pessoas são forçadas a conviver constantemente: em tais situações, enquanto a solução contenciosa poderia conduzir a uma maior e mais efetiva exacerbação de ânimos, uma solução conciliatória (coexistencial) seria vantajosa para todos[6].
No mesmo sentido afirma Humberto Dalla Bernardina de Pinho que a mediação há de ser utilizada prioritariamente em relacionamentos interpessoais continuados; em tais situações, a relação entre as partes subsistirá após a solução do conflito (quer as partes assim o queiram ou não), como nos casos de cônjuges, familiares, afins, vizinhos e associados[7].
Tal conclusão se revela irrepreensível: se as partes travam contatos reiterados, é possível que problemas adicionais surjam e até se agravem em virtude do mau tratamento do conflito e de sua suposta “finalização” pela decisão impositiva de um terceiro alheio à relação.
É fácil constatar que de nada adianta a decisão proferida por um julgador quanto à relação continuada se o conflito não foi adequadamente trabalhado: ele continuará existindo, independentemente do teor da decisão, de modo que costuma ser apenas uma questão de tempo “para que volte a se manifestar concretamente[8]”.
Apesar de se reconhecer que nos liames de trato sucessivo a mediação tem pertinência evidente, variados tipos de conflitos civis podem ser enfrentados pela mediação de modo eficiente. A condição pessoal das partes, o grau de disponibilidade do direito e a importância do cumprimento voluntário e célere do ajuste serão os condutores no encaminhamento das partes à mediação.
Interessante estudo empreendido pelo Ministério da Justiça[9] buscou identificar as iniciativas existentes em nosso país no tocante à adoção de meios consensuais. Em tal pesquisa, constatou-se a seguinte verificação seguinte em termos de objeto litigioso:
Distribuição dos programas de administração alternativa de conflitos segundo área de atuação
Tipo de programa | Freqüência | % |
---|---|---|
Conflitos interpessoais em geral | 40 | 59,7 |
Conflitos de gênero/família | 18 | 26,9 |
Conflitos trabalhistas | 2 | 3,0 |
Conflitos de propriedade e posse | 1 | 1,5 |
Conflitos em relações de consumo | 1 | 1,5 |
Acidentes de trânsito | 1 | 1,5 |
Moradia, saúde, educação | 1 | 1,5 |
Não responde/recusa | 3 | 4,5 |
Total | 67 | 100 |