Ação declaratória de nulidade da sentença arbitral parcial

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O processo arbitral admite que o autor deduza, em cumulação objetiva, mais de uma pretensão. De fato, não é raro, nos domínios da arbitragem, que a parte requerente formule mais de um pedido, almejando um pronunciamento do tribunal arbitral que, no momento culminante do processo, aprecie e julgue todos eles.
A sentença arbitral deve ser proferida no prazo consignado no termo de arbitragem ou, na ausência deste, em seis meses a partir do início do processo (instituição da arbitragem), e lançada em documento escrito, ex vi dos artigos 23, caput, e 24, caput, da Lei de Arbitragem.
A experiência evidencia que há situações nas quais uma das pretensões, entre aquelas submetidas à cognição do tribunal, já se encontra “madura” para ser decidida, no curso do procedimento, antes mesmo que se instaure fase instrutória em relação a outros pedidos cumulados.
É exatamente por esta razão que a Lei 13.129/2015, que introduziu algumas alterações no diploma original (Lei 9.307/1996), recepcionando o que já ocorria na prática, positivou, no parágrafo 1º do artigo 23, a possibilidade de prolação de sentença arbitral parcial, ao dispor que: “Os árbitros poderão proferir sentenças parciais”.
Proferida a sentença arbitral parcial, que se sujeita ao trânsito em julgado, independentemente da prolação da sentença final, o processo continua o seu curso normal, embora com objeto de menor diâmetro, uma vez que parcela da controvérsia restou solucionada pelo aludido ato decisório parcial.
Ressalte-se, por outro lado, que o subsequente artigo 33 da Lei de Arbitragem contempla a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário da sentença arbitral, por meio de ação declaratória de nulidade (rectius: ação anulatória), a ser ajuizada no prazo de 90 dias, “após o recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos” (cf. artigo 33, parágrafo 1º).
Importa salientar que a própria lei, de forma expressa, como facilmente se infere da redação do caput e do parágrafo 1º do artigo 33, prevê a possibilidade de ação declaratória de nulidade da sentença arbitral parcial.
Todavia, verifica-se que, na praxe da arbitragem, a incidência desse meio processual concerne, na grande maioria dos casos, a sentenças arbitrais finais.
Instado a examinar questão que lhe foi submetida antes da reforma da Lei 9.307/1996, o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu medida cautelar antecedente de ação anulatória de sentença arbitral parcial, porque, segundo o respectivo acórdão, esta via processual, perante a jurisdição estatal, somente se viabiliza quando se pretende a declaração de nulidade da sentença arbitral final.
Uma determinada empresa, que fora incluída em processo arbitral, por meio de sentença parcial, que se desenrolava no Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, promoveu medida cautelar inominada, perante o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (processo 1039442-59.2014.8.26.0100), preparatória de ação anulatória daquele provimento arbitral incidental (processo 1045086-80.2014.8.26.0100), visando à suspensão do processo arbitral até o julgamento final da indigitada demanda. Em primeiro grau, foi deferido o pedido liminar para: determinar a suspensão dos efeitos da decisão da sentença parcial arbitral, “ficando franqueado o prosseguimento do procedimento n. 25/2013 sem a presença da autora em qualquer dos polos do procedimento”.
Interposto agravo de instrumento, foi ele provido, para extinguir a ação cautelar, sem julgamento de mérito. Prevaleceu o princípio da Kompetenz-Kompetenz, cabendo ao tribunal arbitral decidir sobre a sua competência, “bem como sobre questões relacionadas à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem, podendo esta decisão ser infirmada por meio de ação anulatória somente por ocasião da prolação da sentença final, e não no momento da sentença arbitral parcial”.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
“Prestação de serviços – Medida cautelar inominada Arbitragem – Cláusula compromissória – Análise da validade e eficácia da cláusula compromissória em relação à autora ora agravada – Questão já decidida pelo Juízo Arbitrai no curso do procedimento – Competência exclusiva do Tribunal Arbitrai para exame da existência, validade e eficácia da cláusula compromissória ‘cheia’ (art. 8° c.c o art. 20 da Lei de Arbitragem) – Atuação inoportuna do Poder Judiciário – Possibilidade de exame pelo Poder Judiciário somente após a sentença arbitral, nas hipóteses previstas no art. 32 da LArb, por meio da demanda de que trata o art. 33 da LArb – Decisão agravada anulada – Recurso provido, com extinção da ação cautelar, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VII do CPC”.
Foi então interposto recurso especial, com fundamento nos seguintes argumentos: i) existência de previsão expressa, após a edição da Lei 13.129/2015, embora já fosse admitida anteriormente pela doutrina e jurisprudência, de prolação de sentenças arbitrais parciais (artigo 23, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem), passíveis de impugnação por meio de ação anulatória, prevista no artigo 33 da lei de regência, de modo que não se sustenta o entendimento do tribunal de origem de que a questão só pode ser submetida ao órgão jurisdicional depois de eventual sentença final; e ii) impossibilidade de inclusão da recorrente em procedimento arbitral ao qual nunca anuiu, notadamente porque a lei arbitral exige que a cláusula compromissória deve ser firmada por escrito, seja no contrato, seja em instrumento outro (artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei 9.307/1996).
O Recurso Especial 1.543.564/SP foi recentemente provido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze.
No elogiável voto condutor, parte-se do pressuposto de que a ação anulatória é cabível na situação vertente, porque “se coaduna, indiscutivelmente, com os modernos princípios da celeridade e efetividade. Desse modo, em consonância com o sistema processual então vigente, absolutamente admissível que, no âmbito do procedimento arbitral, assim como no processo judicial, os árbitros profiram decisão (sentença) que resolva a causa parcialmente, compreendida esta como o decisum que reconhece, ou não, o direito alegado pela parte (sentença de mérito), ou que repute ausentes pressupostos ou condições de admissibilidade da tutela jurisdicional pretendida (sentença terminativa)”.
Ademais — prossegue o ministro relator —, “com base em tais premissas, e em se transportando a definição de sentença (ofertada pela Lei n. 11.232/2005) à Lei n. 9.307/1996, é de se reconhecer, portanto, a absoluta admissibilidade, no âmbito do procedimento arbitral, de se prolatar sentença parcial, compreendida esta como o ato dos árbitros que, em definitivo (ou seja, finalizando a arbitragem na extensão do que foi decidido), resolve parte da causa, com fundamento na existência ou não do direito material alegado pelas partes ou na ausência dos pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional pleiteada”.
Verifica-se que, na hipótese levada à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, a demandante ajuizou, oportunamente, dentro do prazo de 90 dias, nos termos do parágrafo 1º do artigo 33 da Lei de Arbitragem, ação anulatória, impedindo, destarte, a superveniência de preclusão.
Como bem assevera, a propósito, Carlos Alberto Carmona, “admitida a sentença parcial — que deverá, para todos os efeitos, ser tratada como verdadeira sentença (como fazem os espanhóis), e não ato provisório e ratificável na sentença final — será necessária a aplicação plena do dispositivo em questão, de modo que, não manejada a demanda de nulidade, será impossível atacar a sentença arbitral parcial com base em qualquer um dos casos do art. 32 da Lei de Arbitragem” (Arbitragem e Processo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, pág. 431).
Assim, ao prover o recurso, para reconhecer a adequação da ação anulatória de sentença arbitral parcial, a 3ª Turma determinou, corretamente, que o Tribunal de Justiça de São Paulo prossiga no julgamento do agravo de instrumento em relação às questões que se referem à possibilidade, liminarmente, de se estender a cláusula compromissória à empresa insurgente, para manter ou não o efeito suspensivo da sentença parcial até o julgamento final da ação anulatória.
Por José Rogério Cruz e Tucci, professor titular e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP, além de membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2018, 8h05
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6 de novembro de 2018 |

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