Acordos entre advogados americanos e clientes nem sempre é fácil

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A maior parte dos contenciosos, nos EUA, termina em acordo entre as partes. Sai substancialmente mais barato para todos — ou pelo menos para uma das partes — porque ir até o fim, no processo, significa custos muito mais altos. Mas, para chegar a um acordo, cada advogado tem de enfrentar um processo penoso de negociações com seu oponente e obter a aprovação do juiz, que não é garantida. Além disso, tem um outro desafio complexo: negociar com seu próprio cliente a questão operacional da negociação de um acordo.
Para os novos advogados, ainda inexperientes, o advogado Randall Ryder aconselha, em um artigo publicado no Lawyerist, começar por fazer dois acertos com seus clientes: 1) definir quais são os objetivos do cliente; 2) conseguir que o cliente lhe confira autoridade para negociar em seu nome, em vez de ter de consultá-lo a cada movimento da parte adversária — quando for recomendável.
O desejo e as expectativas do cliente
A primeira coisa que o advogado tem de descobrir é o que o cliente quer e se suas expectativas são razoáveis, em oposição a exageradas ou insuficientes. “O advogado não pode assumir que suas próprias expectativas são as mesmas do cliente”, diz Randall Ryder a seus colegas americanos.
Cada caso é diferente. Os fatos, o cliente e o que ele almeja com a ação são diferentes. Alguns clientes querem muito dinheiro, outros, pouco. Alguns clientes querem algo intangível, incorpóreo. Outros clientes querem levar o caso a julgamento e apresentar a situação a um juiz ou a um júri. Alguns querem uma combinação de tudo isso, ele diz.
“Se você não souber qual é seu destino, você não pode dirigir o ônibus para o lugar certo”, diz o autor do artigo. Por isso, antes de tomar qualquer medida, o advogado precisa descobrir, com um grau razoável de certeza, o que o cliente quer, afinal de contas.
Isso está no Código de Ética dos advogados americanos: “O advogado deve se governar pelas decisões do cliente, com relação aos objetivos da representação. Deve acertar com o cliente os meios pelos quais seus objetivos serão cumpridos. Um advogado deve agir em nome do cliente conforme for implicitamente autorizado para pôr em prática a representação. Um advogado deve se governar pela decisão do cliente no que se refere a fechar um acordo sobre a matéria”.
O fato é que é praticamente impossível seguir essa regra, a de cumprir os objetivos do cliente, se o advogado não sabe quais são eles. O que o advogado pensa que é um bom resultado e o que o cliente quer pode estar longe da realidade. Se o advogado sabe escolher seus clientes e os aconselhar devidamente, poderá ser relativamente fácil chegar a um acordo. Se esse não for o caso, é preciso pensar melhor antes de aceitar a representação.
“Se as expectativas do cliente não forem razoáveis, seu trabalho é redefinir suas expectativas ou, em caso de insucesso, sugerir que procure outro advogado”, afirma Randall Ryder.
Para o advogado, seus colegas não devem assumir que um cliente com expectativas irrealistas irá simplesmente se alinhar com as expectativas dele com o andamento do processo. A tendência é o contrário: no calor do contencioso, as expectativas do cliente (e a vontade de impor uma derrota contundente ao adversário) irão aumentar, não diminuir.
Autoridade para negociar acordo
A recomendação americana é: advogados decidem a estratégia, clientes decidem sobre o acordo. Assim, se o cliente não transferir para o advogado a autoridade para negociar e fechar um acordo, as decisões em todo o processo serão dele — não do advogado. E sempre há uma diferença entre a explicação do cliente sobre seus objetivos e a capacidade do advogado de aceitar uma oferta que cumpra esses objetivos.
Por exemplo, se o cliente diz ao advogado: “Se você resolver isso rapidamente, ficará tudo bem se eu receber uma indenização em torno de US$ 5 mil”. Primeiro, “rapidamente” pode ter diversas interpretações (o cliente sabe o que é “rapidamente” na Justiça?). Segundo, “ficará tudo bem” significa inteiramente satisfeito, meio satisfeito ou satisfeito a contragosto? Terceiro, “em torno de US$ 5 mil” é um valor sujeito a discussões.
É a mesma coisa se o advogado está fazendo uma proposta de acordo. Se ele tem alguma dúvida sobre sua autoridade para fazer uma oferta (mesmo que estiver dissimulando), deve falar com o cliente a cada passo. Mesmo que sua própria proposta lhe pareça ridícula, dificilmente aceitável, o advogado pode não ter alguma informação que o cliente tem. A outra parte pode estar mais ansiosa para fechar um acordo do que o advogado pensa. E uma exigência que lhe pareça inviável pode ser aceita.
Como uma precaução, muitos advogados americanos pedem ao cliente para confirmar por e-mail ou mensagem de texto o valor de uma oferta: “Você me disse por telefone que não aceita uma oferta de US$ 5 mil e que quer fazer uma contraoferta de US$ 10 mil. Por favor, confirme por e-mail e eu vou fazer a proposta”. Já ocorreram casos, nos EUA, que advogados tiveram de pagar uma parte da indenização que fechou em um acordo com a parte adversária, que o cliente considerou inaceitável.
Negociação da autoridade para negociar
Da mesma forma que cada cliente tem expectativas e objetivos diferentes, é difícil, para o advogado, decidir se quer pedir ao cliente para lhe conferir autoridade para negociar e fechar acordo. Isso depende de cada cliente e de cada caso. Com um cliente antigo, que o advogado conhece bem, não é difícil negociar uma autoridade total ou mesmo parcial. Ele poderá até dizer ao advogado, sem ser perguntado, que ele tem completa autoridade para negociar e fechar o acordo.
No caso de um cliente novo, especialmente o que nunca foi parte em um contencioso, é melhor não correr riscos. Deve discutir com o cliente cada oferta e contraoferta. Um cliente novo pode dizer ao advogado que confia nele e que o que ele conseguir está ótimo. Mas essa é uma declaração que constantemente resulta em problemas: “Por que você não pediu mais?” ou “Por que você concordou em pagar tanto” são queixas comuns.
Os clientes tendem a se envolver mais com o processo e, geralmente, ficam mais felizes com os resultados, quando eles participam ativamente das discussões do acordo. Isso também os ajuda a desenvolver mais respeito por seu trabalho.
A falta de autoridade — ou aparência de — para negociar acordos tem as suas vantagens. Na mente do advogado oponente, todas as ofertas que faz são legítimas e justas. Se o advogado não as aceita, é considerado irracional. Mas, sem a autoridade para negociar, o advogado sempre pode dizer que o cliente já lhe disse que não aceitaria ofertas como essa. “Meu cliente não pensa que essa oferta é justa”, ele pode dizer, por exemplo.
Porém, dizer à outra parte algo que coloque em dúvida a relação do advogado com o cliente não é correto. Há casos registrados em que advogados, para se livrarem de críticas, disseram: “Pessoalmente, eu penso que sua oferta é razoável, mas meu cliente não a aceitou”. Isso é visto como uma quebra da confiança que o cliente depositou no advogado, da qual a parte oposta pode se aproveitar.
Por João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 28 de outubro de 2016, 9h00
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28 de outubro de 2016 |

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