Administração Pública tende a buscar arbitragem para questões complexas
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A lei 13.129/15, que reforma a lei da arbitragem, está oficialmente em vigor. A proposta de reforma teve origem em texto de comissão de juristas presidida pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão.
Das alterações promovidas, ganha destaque a previsão expressa de utilização da arbitragem pela Administração Pública direta e indireta para dirimir conflitos patrimoniais. Ainda que o uso do instituto por entes públicos já seja uma realidade, a reforma da lei impõe novos desafios e demandas a todos que trabalham com o tema.
Acerca dessas questões, confira na íntegra os comentários de Carlos S. Forbes (presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá); Gustavo Justino de Oliveira (advogado da banca Justino de Oliveira Advogados); Joaquim de Paiva Muniz (advogado da banca Trench, Rossi e Watanabe Advogados); e Marçal Justen Filho (advogado da banca Justen, Pereira, Oliveira & Talamini – Advogados Associados)
Carlos S. Forbes (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá)
Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?
Não obstante a bem-vinda revisão da lei de arbitragem, para expressamente incluir a possibilidade de arbitragem com a Administração Pública, o CAM/CCBC, haja vista ausência de qualquer impedimento, entendia como efetiva tal possibilidade. Tanto assim que editou a resolução 3, de 20/10/14, onde se estabeleceu enunciados para interpretação do respectivo regulamento quando da participação da Administração Pública em procedimento arbitral.
Importante dizer que a existência de arbitragens envolvendo entes públicos é uma realidade. Porém, é necessário entender que arbitragem não se presta a todo e qualquer litígio, mesmo aqueles envolvendo direito patrimonial disponível.
Como é de conhecimento de todos, o Poder Público é o maior usuário da Justiça. E, não só por questões fiscais, previdenciárias, etc., mas também pelo enorme papel desempenhado pelo Estado brasileiro nos mais variados setores da economia.
Questões menores (fornecimento de materiais, de serviços, locações, etc.) não deveriam buscar o procedimento arbitral para uma solução. O aparelhamento da Justiça, as alterações do Novo Código de Processo Civil e, principalmente, a coerência na administração de tais contratos deveriam ser suficientes para a diminuição de tais processos.
A arbitragem, por sua vez, está destinada a questões mais complexas, quando então se retirará do dia a dia do Judiciário litígios que levam uma enormidade de tempo para serem decididos e, nem sempre, com a melhor solução. Faltam ao juiz brasileiro tempo e especialização para conhecer e conseguir julgar as questões que o mundo globalizado e a necessidade de investimento em infraestrutura impõem.
Apesar da certeza do conhecimento jurídico do juiz brasileiro, testada e retestada em exaustivos concursos públicos, como imaginar tempo para examinar, por exemplo, um contrato de construção de milhares de páginas. Ou uma questão regulatória envolvendo concessão pública, onde há necessidade de revisão de todo um arcabouço jurídico, especialmente criado para aquela relação jurídica.
Assim sendo, não imagino uma redução considerável dos processos judiciais com a utilização da arbitragem. Acredito, sim, que as questões complexas e estratégicas na área de investimentos em infraestrutura serão enormemente beneficiadas pela, agora explícita, possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública.
É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?
O setor de infraestrutura certamente será aquele que mais se beneficiará da arbitragem. Não só pela especialização dos árbitros nas questões submetidas, mas principalmente pela certeza que o particular verá eventual litígio examinado de forma mais rápida e definitiva.
Veja, por exemplo, um investidor internacional que deseje contratar com o Poder Púbico a construção e a exploração de uma usina hidrelétrica. O fato de se usar a arbitragem para dirimir eventual conflito, significará para tal investidor uma enorme redução no componente do preço que diz respeito ao risco de litígio, pois saberá, de antemão, existir um menor tempo e uma maior especialização para solução final da problemática. A possibilidade de usar árbitros especializados, que conhecem as questões de construção e de engenharia e as regras aplicáveis à questão, sempre influenciará positivamente.
O investidor não quer o litígio, mas sabe que, mais das vezes, será necessário enfrentá-lo. Para tanto, entre os diversos componentes que formam o preço a ser oferecido, inclui-se a possibilidade de sua ocorrência, o tempo e a chance de sucesso em sua solução rápida e eficaz. Com a arbitragem, tal componente é efetivamente reduzido.
A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?
O sigilo da arbitragem não está estampado na lei. Decorre da vontade das partes que, por aderir a um determinado regulamento de arbitragem ou assim estipular em contrato, usa dessa possibilidade para preservar seu melhor interesse.
Assim, a publicidade, que é inerente às coisas do Poder Público, não deverá acarretar qualquer problema na utilização da arbitragem. O particular sabe, desde o primeiro momento, que a publicidade é a regra do contrato e, por conseguinte, da eventual arbitragem.
O sigilo e a confidencialidade de uma relação jurídica estão intimamente ligados à necessidade de proteção de um segredo ou de uma estratégica comercial, da boa reputação das partes ou da preservação do interesse discutido. Aquele que não pode dispor de tal proteção não deve se aventurar em um contrato com a Administração Pública, onde a regra, como de conhecimento geral, é a publicidade.
Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?
Como se pode ver da resolução 3 do CAM/CCBC, as peculiaridades são:
• Respeito ao regulamento da instituição, sem prejuízo da legislação específica sobre a arbitragem ou sobre a relação jurídica a ser discutida.
• Respeito a princípio constitucional da publicidade, salvo as informações sigilosas nos termos da legislação aplicável.
• A sede deverá ser sempre no Brasil e a língua portuguesa o idioma oficial.
• Possibilidade de estipular o particular como o responsável pelo pagamento inicial das custas e encargos da arbitragem, inclusive os relacionados aos honorários do árbitros.
• Permissão, desde que autorizado pelo Tribunal Arbitral, da participação de amicus curiae para prestar assistência aos árbitros para melhor solução da questão discutida na arbitragem.
• O Tribunal Arbitral deve ter atenção redobrada ao disciplinar o procedimento arbitral, sempre atento às especificidades de um litígio envolvendo a Administração Pública.
Gustavo Justino de Oliveira (Justino de Oliveira Advogados)
Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?
A reforma da lei de arbitragem traz, no parágrafo 1º do artigo 1º, expressa previsão legal autorizando a sujeição da Administração Pública à arbitragem. Se antes havia certa oscilação na compreensão de que os entes públicos poderiam se valer da arbitragem como meio alterativo de solução de controvérsias, a partir de agora, sem dúvidas, esse cenário tende a ficar mais claro e favorável.
A previsão de uma cláusula arbitral, portanto, normalmente em edital e em contrato administrativo causa um impacto pontual dentro do universo de demandas envolvendo a Administração Pública. Parece-me, assim, que haverá uma clara seleção desses conflitos, os quais surgem no âmbito do contrato administrativo, envolvendo uma parcela muito específica da atuação do Estado, que é feita nas áreas de regulação e infraestrutura, as quais são o grande foco das arbitragens público-privadas.
É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?
Conforme dito anteriormente, os setores regulados mostram-se muito propícios à arbitragem, tendo em vista alguns fatores como modelagens financeiras complexas, investimentos de elevada monta, alta especialidade dos contratos administrativos presentes nas áreas de rodovias, ferrovias, aeroportos, energia elétrica, etc., de modo que, geralmente, esses conflitos são polarizados pelos particulares e o poder concedente.
Um bom exemplo disso é o decreto 8.465/2015, que regulamenta a arbitragem para dirimir conflitos no setor portuário e cujas peculiaridades dão conta de como poderá, no futuro, se desenhar a arbitragem perante outros setores regulados. Desse modo, a reforma da lei de arbitragem pode ser vista como um ponto de confluência para consolidar a arbitragem público-privada, em que normalmente figuram como partes entes da Administração Pública direta e indireta e o particular relacionado ao contrato administrativo.
A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?
Esse é um ponto que sempre esteve presente quando se pensa na arbitragem público-privada. É inegável que a Constituição Federal estabelece no artigo 37, caput, o princípio da publicidade dentre aqueles que orientam a Administração Pública. Por outro lado a confidencialidade é um traço típico da arbitragem, da qual surgem inúmeras vantagens, cuja principal fonte de previsão é conferida aos regulamentos das câmaras arbitrais.
Particularmente, não vejo problema algum em tentar compatibilizar o princípio da publicidade nesse tipo de arbitragem, até porque as principais vantagens decorrentes dessa forma de solução alternativa de conflitos com a Administração Pública geralmente são outros, como a celeridade na prestação jurisdicional e a especialidade técnica dos árbitros. Essa mesma harmonia de princípios deve ser aplicada igualmente a algumas outras modificações feitas em matéria de arbitragem, como com o novo Código de Processo Civil que prevê a tramitação em segredo de justiça daqueles processos que tenham por objeto a arbitragem. Nesse caso, sendo arbitragem público-privada, não vejo razão para que se estenda isso à Administração Pública.
Nesse sentido, embora a arbitragem tenha como característica a confidencialidade, tal qualidade não é absoluta. O princípio da publicidade pode ser respeitado por meio de adaptações aos procedimentos, como, por exemplo, com a disponibilização ao público das decisões no cartório da instituição arbitral ou com a realização de procedimentos abertos. Internacionalmente, alguns centros de arbitragem enfrentam a questão disponibilizando a opção de transmissão dos julgamentos via internet – como, por exemplo, o ICSID (International Centre for Settlement of Investment Disputes).
Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?
Algumas delas já foram aqui mencionadas. Por conta da elevada complexidade dos contratos administrativos celebrados nas áreas de infraestrutura e regulação e dos diversos tipos de modelagem jurídica que podem ser apresentados para que o particular celebre esse contrato, a especialidade técnica dos árbitros surge como um ponto de destaque. Muitas vezes, os litígios surgidos durante e após a execução desses contratos administrativos ingressam em questões muito técnicas e que requerem o domínio da matéria. Quando isso é possível de ser feito pela escolha de um corpo de árbitros com reconhecido conhecimento técnico, a tendência de haver uma decisão de melhor qualidade existe.
Além disso, outros fatores são igualmente importantes, como o interesse do particular em se dispor a investir nas áreas de regulação e infraestrutura, a partir das vantagens econômicas advindas da possibilidade de utilização da arbitragem. Essas vantagens econômicas, a bem da verdade, não surgem somente para o particular, mas também para a Administração Pública, já que com uma maior segurança repassada àquele interessado em celebrar um contrato administrativo, toda a estruturação econômica dos investimentos pode ser repensada e riscos reestruturados, de modo que para ambas as partes se torne mais atrativo o vínculo contratual.
Essas são apenas algumas das vantagens, mas certamente das mais importantes.