Arbitragem coletiva e mercado de ações

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Abitragem deve ser o meio de solução de controvérsias em matéria societária e de mercado de capitais em companhias abertas com cláusula compromissória em seus estatutos. A cláusula arbitral vincula todos os acionistas, inclusive os que adquirem ações em bolsa posteriormente à sua inclusão no documento societário. Foi neste sentido a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região neste início de 2017, no processo n. 5009846-10.2015.4.04.7201.
Trata-se de ação na qual um acionista da Petrobrás pleiteia danos de aproximadamente R$ 78 mil reais, alegando perdas decorrentes da má-administração da companhia. A ação foi extinta sem julgamento de mérito indicando que o pleito deve ser resolvido em via arbitral.
Se este entendimento for mantido, provavelmente a busca do acionista pelo seu direito cessará. Isto porque o valor da causa é inferior às custas de arbitragem, que incluem taxa de administração da arbitragem, despesas comuns das partes, honorários dos árbitros por hora trabalhada, eventuais honorários de peritos e técnicos e honorários dos advogados. Ressalta-se que o valor médio por procedimento na Câmara de Arbitragem do Mercado da BM&FBovespa gira em torno de R$ 75 milhões de reais.
Para investidores titulares de baixo percentual do capital social ou com reduzido volume de negociação, a via arbitral configura-se juridicamente possível, mas economicamente improvável. Os custos da arbitragem representam barreira ao acesso à justiça privada por pequenos acionistas e, por consequência, uma possível proteção diferenciada de pequenos e grandes investidores.
Isto é verdade para pleitos individuais, mas não o é para os litígios coletivos. A decisão acima mencionada do TRF4 revela a urgente necessidade de avançar na escassa reflexão de vias coletivas de litigância em arbitragem para o mercado acionário brasileiro. Neste mercado, desde a criação dos níveis diferenciados da BM&FBovespa, a arbitragem é vista como sinônimo de boas práticas de governança corporativa e várias companhias possuem cláusulas arbitrais em seus estatutos por força dos regulamentos de listagem da bolsa.
A boa notícia é que a arbitragem coletiva com a interposição de associação de investidores é compatível com o nosso ordenamento jurídico e pode ocorrer por duas formas: por representação e por substituição processual.
Na arbitragem coletiva por representação, uma associação inicia o procedimento arbitral como representante dos acionistas (seus associados) para reclamar as perdas por eles experimentadas. O fundamento está no art. 5, XXI, da Constituição Federal. Ressalta-se que a associação, nesse caso, não é parte no processo. Ela atua em nome dos seus associados, defendendo o direito deles, na condição de representante processual. Nesta situação, a sentença produzirá os mesmos efeitos que qualquer sentença judicial produz em território nacional, isto é, há coisa julgada entre as partes, mas o resultado no julgamento não aproveita aos demais acionistas que no processo não foram representados. A ideia consta de artigo de César Pereira e Luísa Quintão intitulado “Arbitragem Coletiva no Brasil: A atuação de entidades representativas (art. 5o, XXI, da Constituição Federal)”.
Na segunda forma de coletiva de arbitragem, a associação dá início ao processo arbitral como substituto processual, com fundamento na legitimidade extraordinária garantida pela Lei n. 7.913/1989, combinada com o disposto nas Leis n. 7.347/1985 e 8.078/1990, para proteger direitos individuais homogêneos. Faz-se um espelho da ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores do mercado de valores mobiliário desde 1989. Com a aplicação subsidiária da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, chega-se à possibilidade de os investidores buscarem a tutela judicial com o ajuizamento de ações coletivas por associação de investidores. Neste caso, a associação aparece como substituta processual e atua em nome próprio, mas na defesa do interesse dos associados. A eficácia da sentença em ação coletiva, em razão de expressa disposição de lei, segue o seguinte caminho: se a arbitragem for julgada procedente, todos os acionistas poderão se valer do resultado da sentença; se, por outro lado, for julgada improcedente, a decisão não fará coisa julgada em detrimento desses acionistas, estando eles livres para atuar individualmente. Sobre essa possibilidade aventam Rômulo Mariani, André Roque e Ana Luisa Nery em três excelentes trabalhos acadêmicos sobre o tema.
As formas coletivas de arbitragem trazem novos desafios para outros temas, tais como a controvertida questão da confidencialidade, a divisão dos custos e indicações de árbitro.
A referida decisão do TRF4 revela a necessidade de se pensar em formas coletivas de arbitragem para a proteção de acionistas de mercado de ações. Os mesmos esforços conjuntos de reguladores, autorreguladores e agentes de mercado para a imposição de arbitragem nos segmentos diferenciados de governança corporativa precisam existir agora na reflexão sobre como não tornar a arbitragem um instrumento para a proteção seletiva de investidores ou um impeditivo para pleitos dos acionistas.
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Como sugestão de leitura para aprofundar este tema, sugerimos ao leitor a seguinte bibliografia sobre o tema no Brasil, ver: Viviane Muller Prado e Antonio Deccache, Arbitragem coletiva e companhias abertas (a ser publicado na Revista de Arbitragem); César Pereira e Luisa Quintão. Arbitragem coletiva no Brasil: a atuação de entidades representativas (art. 5º., XXI, da Constituição Federal), (disponível em http://www.justen.com.br/pdfs/IE103/Arbitragem_coletiva.pdf. ); Rômulo Greff Mariani. Arbitragens coletivas no Brasil, dissertação de mestrado apresentada no programa da pós-graduação da Faculdade de Direito da PUC-RG, 2013; André Vasconcelos Roque. Arbitragem de direitos coletivos no Brasil: admissibilidade, finalidade e estrutura, tese de doutorado apresentada no programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2014; e Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery. Class Arbitration: instauração de processo arbitral para a resolução de conflitos envolvendo direitos de natureza transindividual, tese de doutorado apresentada no programa da pós-graduação da Faculdade de Direito da PUC-SP, 2015.
Por Viviane Muller Prado, Professora FGV Direito SP e Doutora pela USP e Antonio Deccache, Advogado, Mestre pela FGV Direito SP e doutorando pela USP
Fonte: Jota – 11 de Janeiro de 2017 – 06h45
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11 de janeiro de 2017 |

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