Arbitragem em tempos de pandemia: o que muda?

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O novo coronavírus impõe desafios das mais diversas naturezas. No judiciário, o CNJ determinou a suspensão de prazos processuais e estabeleceu regime de plantão, em todo o País, até 30 de abril. A resolução integra o pacote de medidas de emergência para conter a disseminação da Covid-19, mas não se aplica ao STF, à Justiça Eleitoral e – obviamente – não afeta as arbitragens.
De igual modo, o TCU suspendeu os seus prazos e prorrogou as prestações de contas sob sua jurisdição, bem como a OAB oficiou à Presidência da República, requerendo a suspensão de todos os processos administrativos federais, exceção feita às questões urgentes, em especial àquelas que concedam benefícios aos cidadãos.
Frente à batalha que vem sendo travada pelos Poderes do Estado e pela sociedade nos últimos dias, igualmente as câmaras de arbitragem responderam de pronto. Com o objetivo de orientar, esclarecer e mitigar o impacto das restrições impostas pela pandemia, as instituições arbitrais editaram resoluções priorizando o engajamento nas medidas preventivas de combate à pandemia.
Protocolos diferenciados de atendimento foram implementados, eventos e cursos presenciais adiados e audiências canceladas (adiadas por prazo precário ou negociada sua realização virtual). Tudo pensado para reduzir ao máximo o fluxo de pessoas, com o menor impacto possível na continuidade da prestação dos serviços. As necessárias mudanças, todavia, estão apenas começando.
A paralisação das atividades presenciais nas câmaras e suas secretarias é temporária e emergencial. Foi feito aquilo que precisava ser feito. Mas os reflexos da situação que vivenciamos hoje não cessarão com a simples retomada do expediente regular. Os procedimentos, atos e ritos são apenas a superfície dos desafios que estão por vir.
A grave crise econômica que já se antecipa impactará diretamente o custeio dos procedimentos arbitrais em curso e daqueles na iminência de ser iniciados. Diante do cenário economicamente desfavorável, é natural que haja priorização no emprego de recursos por parte das empresas – que dificilmente contemplará a resolução de conflitos passados. O custo de oportunidade da escolha de se litigar será agravado, mesmo porque as despesas são assunto muito sério nas arbitragens.
Lado a lado com a atenuação das receitas públicas e privadas, poderá haver a intensificação de conflitos, que são naturais às situações de crise. Escassez de receitas gera contingenciamento de despesas e respectivos inadimplementos seletivos. Variações cambiais matam empresas (e países). Tudo num ambiente de eleições municipais, que podem estimular condutas populistas, a afetar diretamente contratos administrativos com cláusula arbitral (e toda a rede contratual a eles correlata). Renascem os antigos “fato do príncipe” e “fato da administração” no âmbito dos contratos públicos; ao mesmo tempo em que a “força maior” e o “caso fortuito”  ganham força em todos os contratos.
Também o cronograma processual de muitas arbitragens será afetado. A calendarização prévia das manifestações escritas e a realização de outros atos pertinentes às fases instrutória e probatória precisarão ser revistas e ajustadas. Não só devido a razões econômicas e de logística, mas em especial a fim de atenuar os impactos da crise (e as custas processuais). A não ser nos casos em que isso se torne imprescindível, não é um bom momento para intensificar situações de litígio e respectiva instrução processual.
Muito, em especial soluções criativas, out of the box, que permitam criar valor no procedimento arbitral e permitir que as partes efetivamente vejam seus conflitos solucionados.
Dependendo da fase em que se encontre a arbitragem, a tecnologia pode minorar consideravelmente o impacto das medidas emergenciais vigentes. Cumprimento eletrônico de prazos, reuniões e audiências por tele ou videoconferência e notificações por meios remotos (como e-mail e até mesmo WhatsApp), são alternativas de contingenciamento que preservam a eficiência do procedimento arbitral.
Igualmente, o acesso a peças processuais e documentos por meio de pastas de armazenagem remota elimina custos (e atenua os contatos físicos). Por que não pensar também em depoimentos testemunhais por vídeos – e não atas cartoriais?
Pode-se refletir sobre procedimentos mais expeditos, em que as partes se esforcem para definir os pontos cuja solução é indispensável no presente – e quais podem ser consensualmente diferidos para enfrentamento futuro. Ou mesmo arranjos que envolvam compartilhamento mais eficiente dos custos e medidas de compensação.
É hora de gerenciar riscos, reduzir incertezas e orquestrar soluções criativas. As arbitragens são ambiente propícios para transpor essa ordem de desafios, eis que misturam competência técnica e respeito intersubjetivo. Para tanto, árbitros, câmaras  e advogados devem trabalhar juntos em regime de cooperação e mútua assistência, pautados pela ética e pela boa-fé.
Por Egon Bockmann Moreira, Professor de Direito Econômico da UFPR. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/PR e da Comissão de Direito Administrativo da OAB/Federal. E Elisa Schmidlin Cruz, Mestre em Direito pela PUC/PR. Membro da Comissão de Arbitragem e da Comissão de Mediação da OAB/PR.
Fonte: Jota – 23/03/2020 11:24
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23 de março de 2020 |

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