A arguição de existência de convenção de arbitragem no novo CPC e os negócios processuais

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Durante a tramitação do projeto de novo Código de Processo Civil, a redação da versão aprovada pela Câmara dos Deputados[i] previa uma forma específica para a alegação da existência de convenção de arbitragem, o que representava um avanço na matéria com relação ao Código de Processo Civil de 1973, que dispunha que a sua alegação deveria ser feita como preliminar de contestação[ii].
Em síntese, na versão aprovada pela Câmara, a dita alegação deveria ser feita por meio de petição autônoma, a ser apresentada na audiência de conciliação ou mediação, devidamente acompanhada do instrumento da convenção de arbitragem.
Se o réu, antes da audiência de conciliação ou mediação, manifestasse o desinteresse na sua realização, este deveria, na mesma ocasião, formular a alegação de convenção de arbitragem, nos termos descritos. Da mesma forma, se por qualquer motivo não fosse designada audiência de conciliação ou mediação, a arguição de convenção de arbitragem deveria ser feita no prazo da contestação, igualmente por petição autônoma.
Uma vez apresentada a arguição, o autor deveria ser intimado a se manifestar e, posteriormente, o juiz decidiria o incidente. Caso fosse rejeitado, o prazo para a contestação começaria a correr por inteiro, ou seja, a apresentação de arguição de convenção de arbitragem teria o condão de interromper o prazo para a contestação caso o mesmo já estivesse fluindo.
Havendo juízo arbitral já instaurado quando da propositura da demanda judicial, recebida a alegação de existência de convenção de arbitragem, o juiz deveria suspender o processo até que o juízo arbitral se manifestasse sobre a sua própria competência. Caso o juízo arbitral reconhecesse a sua competência, ou, não havendo procedimento arbitral instaurado, o juiz acolhesse a alegação de existência de convenção de arbitragem, o processo deveria ser extinto sem resolução do mérito.
Como dito acima, a sistemática inicialmente aprovada pela Câmara dos Deputados promovia grandes avanços e ia totalmente ao encontro da preservação de algumas das principais vantagens almejadas pelas partes ao optarem por transferir o julgamento da demanda para a arbitragem, além de preservar a possibilidade conferida ao árbitro pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) de reconhecer a sua própria competência[iii].
Inicialmente, é preciso observar que, diante da regra da eventualidade, prevista no artigo 300 do CPC de 1973, com correspondente no artigo 336 do CPC de 2015, segundo a qual o réu deverá alegar em contestação toda a sua matéria de defesa, ao estabelecer a alegação de convenção de arbitragem como matéria preliminar de contestação, cabe à parte expor desde logo perante o judiciário toda a matéria que deveria ser submetida ao juízo arbitral. Os prejuízos decorrentes dessa imposição são graves para a parte que opta por resolver seu litígio pela via arbitral. Isso porque o processo em regra é público, sendo excepcionais as hipóteses em que se admite o segredo de justiça[iv]. Se uma das principais vantagens da arbitragem é justamente a sua confidencialidade, expor toda a matéria de mérito em um processo público, ainda que acolhida posteriormente a existência de convenção de arbitragem, vai de encontro às vantagens decorrentes da confidencialidade, as quais certamente ficarão muito restritas, se não totalmente esvaziadas.
Da mesma forma, a arbitragem tem a vantagem de tornar o procedimento mais flexível, com prazos mais elásticos e consensualmente estabelecidos entre as partes. Nesse ponto, a necessidade de alegar toda a matéria de defesa em sede de contestação igualmente traz consequências danosas, reduzindo o prazo que a parte teria para reunir documentos e aprofundar argumentos e alegações.
Por outro lado, o procedimento previsto no projeto de CPC aprovado pela Câmara dos Deputados vinha em absoluta consonância com o poder do árbitro em decidir sobre a sua própria competência[v]. Na forma do artigo 8º, parágrafo único da Lei de Arbitragem, compete ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. Ou seja, o árbitro possui competência para decidir sobre a sua própria competência, e deve ser em regra o primeiro a analisar a questão. Portanto, a versão da Câmara, que previa a suspensão do procedimento para que o árbitro se manifestasse sobre a sua própria competência uma vez que a arbitragem já estivesse instaurada, garantia ao árbitro o poder de analisar previamente a questão, com a submissão de sua decisão ao juízo estatal, o qual deveria extinguir o processo sem resolução de mérito caso a competência fosse reconhecida pelo árbitro.
Não obstante, a versão aprovada pela Câmara dos Deputados foi modificada no Senado e a versão final do Código de Processo Civil, sancionada e transformada na Lei 13.105 de 16 de março de 2016, manteve a sistemática prevista no CPC de 1973, com a alegação da existência de convenção de arbitragem como matéria preliminar de contestação[vi][vii].
Necessário, portanto, pensar em uma solução, diante dos inconvenientes apontados decorrentes da arguição da convenção de arbitragem em contestação. Nesta esteira, cumpre noticiar que, por iniciativa de Fredie Didier Jr., com a colaboração e participação de processualistas de destaque, vem sendo organizado periodicamente o Fórum Permanente de Processualistas Civis (“FPPC”), que estimula o debate e a interpretação do novo diploma processual de forma democrática, mediante o agrupamento dos debatedores em grupos divididos por temas relevantes e a elaboração de enunciados interpretativos. Após a elaboração dos enunciados por cada grupo temático, estes são levados à aprovação em plenária, da qual participam todos os debatedores, e somente são aprovados os enunciados acolhidos de forma unânime, sem qualquer objeção.
Diante do grande interesse que manifesto pelo tema da arbitragem, no último Fórum Permanente de Processualistas Civis, ocorrido entre os dias 18 a 20 de março em São Paulo, levei ao grupo debatedor sobre o tema “Negócios Processuais” proposta de enunciado com o objetivo de, se não resolver, ao menos amenizar as consequências danosas decorrentes da forma de arguição da convenção de arbitragem. O enunciado foi acolhido pelo grupo e aprovado pela plenária, passando a constar sob o nº 580 dentre os demais enunciados do FPPC, o qual afirma que: “É admissível o negócio processual estabelecendo que a alegação de existência de convenção de arbitragem será feita por simples petição, com a interrupção ou suspensão do prazo para contestação”.
Uma das grandes novidades decorrentes do novo diploma processual é justamente a possibilidade de as partes celebrarem negócios processuais, na forma do artigo 190 do mesmo. Assim, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
De fato, o tema dos negócios processuais tem sido objeto de relevantes debates doutrinários, principalmente no que tange aos seus limites e a sua forma de controle pelo magistrado. No entanto, algumas observações merecem ser feitas no que tange ao enunciado do FPPC supramencionado.
Em primeiro lugar, a arbitragem somente é admissível quando as partes forem capazes e quando os litígios submetidos ao procedimento arbitral forem relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei de Arbitragem). Portanto, sendo possível a celebração de convenção de arbitragem, com relação ao requisito da possibilidade de autocomposição, não haverá qualquer óbice para a realização do negócio processual para estabelecer a forma como será realizada a arguição da convenção arbitral.
Resta saber se seria admissível o negócio processual para a alteração da forma de alegação da existência de convenção de arbitragem, bem como a alteração do prazo para a apresentação de contestação nessa hipótese. Da mesma forma, tendo em vista se tratar de questões eminentemente procedimentais, sendo certo que as partes se valerão do negócio processual justamente para ajustar o procedimento às suas especificidades[viii], qual seja, a manifesta necessidade de haver uma discussão prévia sobre a existência de convenção de arbitragem, não há qualquer óbice para a realização do negócio processual.
Assim, caberá às partes, no próprio contrato em que estabelecida a cláusula compromissória, ou em instrumento autônomo, estabelecer a forma de alegação da existência de convenção de arbitragem em juízo em eventual processo futuro e as suas consequências com relação ao prazo para a contestação. Uma vez ajuizada a ação cujo objeto é abrangido pela convenção de arbitragem, e, portanto, deveria ser conhecido e julgado pela via arbitral, a parte deverá comunicar e comprovar ao juízo a existência do negócio processual, o qual terá eficácia imediata[ix], bem como a petição autônoma com a alegação de arbitragem. Veja que não se está a realizar qualquer tipo de interpretação analógica ou extensiva de outros dispositivos do diploma processual, mas simplesmente garantindo-se a eficácia e aplicação do artigo 190 do CPC.
Espera-se que a proposta seja efetivamente acolhida e aplicada pelas partes e pelo judiciário, preservando-se os interesses daqueles que optam pela via arbitral, bem como garantindo-se plena eficácia ao artigo 190 do Código de Processo Civil.
[i] Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-A de 2010 do Senado Federal (PLS Nº 166/10 na Casa de origem), “Código de Processo Civil”.
[ii] Artigo 301, inciso IX do CPC de 1973.
[iii] Conforme observa Carlos Alberto Carmona, a polêmica quanto à competência do árbitro para decidir sobre a sua própria competência é antiga, sendo certo que muitos estudiosos negavam ao árbitro tal atribuição. Todavia, o parágrafo único do artigo 8º da Lei 9.307/1996 não deixa margem para qualquer dúvida ao atribuir ao árbitro o poder de decidir sobre a existência, validade e eficácia da cláusula e do compromisso, bem como do próprio contrato que contenha a cláusula compromissória. Arbitragem e Processo, 3ª ed., Editora Atlas, 2009 p. 18.
[iv] O Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105 de 16 de março de 2016) avançou nessa matéria no que tange à arbitragem, possibilitando que os processos que versem sobre arbitragem, inclusive as cartas arbitrais, tramitem em segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade. No entanto, a dita previsão não resolve o problema da perda de confidencialidade no caso em análise, uma vez que a existência de cláusula de confidencialidade, que deve ser provada para fins de deferimento da tramitação em segredo de justiça, pressupõe a própria existência de convenção de arbitragem, o que configura justamente o objeto de discussão nessa fase processual.
[v] Importante observar que, a despeito da revogação do incidente de arguição de convenção arbitral, a doutrina permanece interpretando o diploma processual de forma a preservar a competência do árbitro em conhecer e decidir sobre sua própria competência antes de qualquer análise judicial. Nesse sentido, destacam-se os enunciados nº 48 e 153 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que afirmam respectivamente que: “A alegação de convenção de arbitragem deverá ser examinada à luz do princípio da competência-competência” e “A superveniente instauração de procedimento arbitral, se ainda não decidida a alegação de convenção de arbitragem, também implicará a suspensão do processo, à espera da decisão do juízo arbitral sobre sua própria competência”.
[vi] Artigo 337do CPC de 2015.
[vii] A justificativa do substitutivo do Senado limitou-se a afirmar que a eliminação de um procedimento específico para a arguição de convenção de arbitragem era uma forma de compatibilização à sistemática do Código com relação à eliminação das demais exceções, tais quais exceção de suspeição e impedimento e a exceção de incompetência. Tendo em vista que tais matérias deveriam ser arguidas como preliminar de contestação, a existência de convenção de arbitragem também deveria seguir o mesmo procedimento.
[viii] “Além dos negócios típicos, é possível que as partes pactuem negócios que não se encaixem nos tipos legais, estruturando-os de modo a atender às suas conveniências e necessidades. O negócio é engendrado pela (s) parte (s), não havendo detalhamento legal.” CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Negócios Jurídicos Processuais no Processo Civil Brasileiro”. Coleções grandes temas do novo CPC: Negócios Processuais, vol. 1, 2ª ed., Salvador: Juspodivum, 2016, p. 56.
[ix] Importante observar que o tema da eficácia imediata dos negócios processuais não é pacífico. No entanto, entende a autora que a análise do magistrado sobre o negócio processual deve ser restrita ao preenchimento dos seus requisitos de validade, não cabendo ao mesmo se imiscuir em questões referentes à conveniência de sua realização.
Por Marcela Kohlbach de Faria, advogada, sócia de Almeida Neto e Aranha de Camargo Advogados Associados, graduada em Direito, mestre e doutoranda em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ.
Fonte: JusBrasil – 18 de abril de 2016
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18 de abril de 2016 |

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