“Brasileiro não gosta de falar não”, diz um dos maiores negociadores do mundo

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William Ury, professor de Harvard, tornou-se famoso pela sua habilidade em costurar acordos, como a paz entre Abilio Diniz e o Casino – algo que, segundo ele, todo mundo pode aprender.
A paixão do americano William Ury, segundo ele mesmo, é fazer com que as pessoas se entendam. Considerado um dos maiores negociadores do mundo, Ury não evita situações espinhosas – ao contrário, é quando ele mais se sente estimulado. A mediação do conflito entre árabes e israelenses, o diálogo entre o governo colombiano e as Farcs, o confronto entre russos e chechenos são algumas das missões de que se encarregou nos 35 anos de carreira.
Nesse meio tempo, Ury também intermediou importantes acordos no mundo corporativo. Um de seus cartões de visita, no Brasil, foi selar a paz entre o empresário Abilio Diniz e o Grupo Casino. No acordo a que se chegou, estava a liberação de Abilio de cumprir a cláusula de não concorrência – fundamental para que ele pudesse, na semana passada, comprar 10% do Carrefour Brasil e voltar ao varejo.
Conseguir êxitos deste tamanho pode parecer possível apenas a gênios da negociação, mas o professor de Harvard afirmar que qualquer um pode aprender a obter bons acordos. Ury, casado com uma brasileira, conhece muito bem o País, e dá uma dica para os executivos verde-amarelos: aprendam a dizer não. Bem-humorado, Ury recebeu a reportagem de DINHEIRO, em sua passagem por São Paulo, para uma palestra sobre técnicas de negociação, promovida pela empresa de fidelidade Dotz. Confira os principais trechos da entrevista, em que alternou expressões em português e momentos de descontração.
DINHEIRO – Negociar é um talento ou é uma habilidade? Todo mundo pode ser um bom negociador?
WILLIAM URY – Quando eu comecei nesta área, as pessoas diziam que, ou você nasce para ser negociador, ou não. Eu descobri, com os anos, que há algumas qualidades que pertencem a você, como paciência ou saber ouvir, mas não importa onde você esteja ou quem você seja, você pode treinar para ser um bom negociador. Às vezes, as pessoas dizem que negociar é uma arte. Bom… mesmo Michelângelo já foi um aprendiz. E ele aprendeu! Eu acho que todo mundo pode aprender. Eu aprendi! E o que eu descobri é que a gente aprende. Quando eu comecei, não havia aulas de negociação. Hoje, qualquer escola de administração, direito ou universidade corporativa oferece cursos. Por que? Porque eles descobriram que saber negociar faz diferença. Você pode aprender.
DINHEIRO – O pressuposto de seu método é que as pessoas abram suas agendas ocultas durante a negociação, para que todos saibam quais são os interesses e objetivos envolvidos. Mas, até que ponto as pessoas realmente se abrem?
URY – É verdade. Na velha concepção, negociar é muito parecido com um jogo de pôquer ou um jogo de azar, em que você tem que manter a famosa “cara de pôquer”. Eu não estou dizendo que isso não funciona, às vezes. Mas, no atual mundo dos negócios, em que tudo é tão complexo, não há apenas duas partes envolvidas na negociação. Há muitas partes. Então, se você deseja chegar a um bom acordo, é muito mais fácil que as pessoas deixem claras quais são suas intenções e construam uma relação de confiança. Qual é o verdadeiro problema? O que realmente se quer? Você conhece o teatro japonês tradicional? O kabuki? É preciso se perguntar quem está nas sombras, quem está operando as marionetes. Só assim, você pode chegar a uma solução melhor para seu cliente ou parceiro. E, para conseguir isso, é preciso confiança. Não estou dizendo que você nunca deve negociar, se você não confia na outra parte. Mas você deve dar o primeiro passo. Você deve assumir o risco de convidar o outro a se expor e, para isso, você deve baixar suas cartas. E isso é, definitivamente, o melhor, porque, pela minha experiência, pessoas que negociam do velho modo não chegam a bons acordos, ou mesmo não chegam a acordo nenhum.
DINHEIRO – Mas muitos negociadores acreditam que expor suas intenções é um erro, já que a outra parte pode se aproveitar disso, sem se expor. Isso é mesmo uma fraqueza, ou um gesto de boa vontade para obter um acordo?
URY – Isso é muito mais que um sinal de boa vontade. Isso é um sinal de força de quem se expõe. Não é um sinal de fraqueza. O que é uma negociação, nos dias de hoje? É muito mais desafiadora. Se você vai pechinchar numa loja e ficar bravo, não há muitos problemas. Mas, no mundo moderno, nós lidamos com relacionamentos de longo prazo: consumidores, clientes, parceiros de negócios. Negociação e liderança são muito próximas. Se você olhar para cada líder, hoje, não há mais ditadores. Não que eles não existam, mas os ditadores não são líderes. Os bons líderes negociam o tempo todo, porque é preciso. Liderança é negociar. O mesmo é verdade, se você está negociando. Negociar significa assumir a liderança e correr riscos. Significa mudar para também mudar o jogo, do tradicional modelo de negociação como um jogo de azar, em que apenas um ganha, para uma situação em que todos ganhem. Você precisa mudar sua forma de pensar, da maneira tradicional, em que compartilhar informação é uma fraqueza. Precisamos de um modelo de decisão mais baseado em informações reais. Devemos deixar que as pessoas compartilhem informação, para que todos tomem as melhores decisões.
DINHEIRO – Outro pressuposto de seu modelo de negociação é que as pessoas tenham clareza de seus objetivos, mas há muitos fatores emocionais e irracionais em negociações. Até que ponto as pessoas realmente são racionais? Como lidar com as emoções?
URY – A negociação não é um processo racional. Eu digo que é um processo emocional. As emoções são tão importantes, quanto as razões, e é muito importante compreendê-las. É por isso que eu digo que é preciso olhar para além de suas posições. Sonhos, raiva, tudo é emocional, e as pessoas levam uma grande carga de emoção para as negociações. Sempre há conflito por causa de medo ou raiva, por exemplo. Por isso, precisamos de um método de negociação que também lide com as emoções, tanto quanto com os objetivos concretos. Por isso, sempre recomendo: “seja suave com as pessoas e duro com o problema”. Acostume-se a ouvir, aprenda a lidar com as emoções. Ao mesmo tempo, seja duro com o problema, porque você precisa chegar a uma solução concreta. De fato, quanto mais você for suave com as pessoas e implacável com o problema, mais as pessoas também deixarão suas vaidades e sentimentos de lado, para lidar com o problema. A concessão mais barata que você pode fazer, em uma negociação, é tratar o outro com respeito, porque o respeito confere dignidade a todos. E já vi muitas pessoas se desrespeitarem nessas situações.
DINHEIRO – Mas isso requer um grau de inteligência emocional muito grande. Como desenvolver isso?
URY – Isso mesmo (em português)! E esse é o tema do meu próximo livro (risos)! É engraçado, porque minha paixão é ajudar as pessoas a encontrarem respostas. E eu faço esse trabalho em situações muito difíceis, com pessoas muito difíceis. O interessante é que, em todos esses anos de trabalho com isso, eu descobri que, talvez, as pessoas mais difíceis de se lidar não são aquelas que têm mais medo ou mais raiva, mas nós mesmos, aquelas que vemos todos os dias de manhã, no espelho. Isso porque todos reagimos com raiva, todos sentimos medo. E eu sempre digo que, quando você está com raiva, fará o melhor discurso do qual se arrependerá depois. Para mim, a chave da inteligência emocional e social é aquilo que chamo de “respeito do balcão”, a capacidade de dar um passo atrás e se colocar nos bastidores para analisar a cena: ter calma e clareza para ver os sentimentos, as pessoas, tudo o que está envolvido. Somente mudando nosso próprio jogo interior, podemos mudar os outros jogadores.
DINHEIRO – Pessoalmente, que tipo de exercício você faz para manter a calma?
URY – Bom, todos têm seu próprio método. Eu, pessoalmente, procuro caminhar todo dia. Não aqui em São Paulo, porque não há muita natureza, mas eu moro nas montanhas, no Colorado. Então, eu gosto de andar para me acalmar. Eu também gosto de tirar algum tempo sozinho, antes de iniciar uma reunião, apenas para relaxar. Cinco minutos, três minutos, um minuto que seja, para entender o que estou sentindo, onde estão minhas fraquezas e minhas forças. Eu procuro limpar minha mente e clarear minhas intenções. Você sabe que, às vezes, eu preciso entrar em negociações verdadeiramente loucas, frenéticas. Se eu não estiver calmo, não conseguirei encontrar as melhores chances de acordo.
DINHEIRO – Imagino que seja mais fácil negociar, quando você se apresenta como uma terceira parte disposta a ajudar as pessoas em conflito. Quando você representa uma das partes, deve ser mais difícil. Como lidar com essas situações?
URY – Sim, sem dúvida (em português)! Se você é uma terceira parte, alguém convidado a mediar um acordo e não mantém vínculos com os envolvidos, as outras partes tendem a confiar mais em você. Quando você representa uma das partes, você necessariamente tem de negociar, considerando esses interesses. Mas, além disso, você está tentando encontrar uma solução para a o impasse. Então, você está no papel de negociador, mas também precisa ter um espírito público, quase como o espírito da mídia. Se bem que a mídia tem seu próprio espírito (risos).
DINHEIRO – Qual foi o seu maior erro, como negociador? E o que você aprendeu com ele?
URY – Eu poderia lhe dizer vários, mas um erro que cometi, quando estava começando nessa área, foi crítico. Eu estava intermediando um acordo entre um sindicato e uma empresa na área de mineração. Então, eu e meu colega chamamos os líderes do sindicato, de um lado, e a diretoria da empresa, de outro. Eles não se falavam. O clima estava muito tenso e eles não se sentavam para conversar, porque houve greves, protestos. Passamos seis semanas conversando com todos e, finalmente, chegamos a um acordo. Ótimo! Conseguimos um acordo! Teremos paz! Mas nos esquecemos de um pequeno detalhe: ele precisava ser ratificado por todos os membros do sindicato, em uma votação. Os líderes haviam feito uma votação pró-forma, aprovando o acordo. Mas, na hora do referendo, praticamente todos os trabalhadores votaram contra! Foi muito doloroso para nós. Perdemos seis semanas de trabalho. Voltamos ao zero. Então, nesse caso, nosso grande erro foi focar somente nos fatores externos da negociação, e nos esquecermos dos fatores internos. Havia dez líderes no sindicato, mas não paramos para perguntar se eles estavam alinhados com os trabalhadores. Havia tanto estresse e tensão entre a diretoria e o sindicato, que os trabalhadores acreditavam que qualquer acordo seria apenas um truque da empresa. Embora o acordo tenha sido o mais razoável possível, eles simplesmente não acreditavam.
DINHEIRO – Há algumas características dos brasileiros, como ser muito sociáveis, que podem atrapalhar uma negociação. Muitos confundem amizade e negócios. Que conselhos você daria, especificamente, para os negociadores brasileiros?
URY – Antes de tudo, é preciso tomar cuidado com qualquer característica que a gente acredite ser nacional. Mas eu diria que, pela minha experiência, os brasileiros, justamente por causa de sua sociabilidade, tendem a evitar conflitos. “Eles dão um jeito” (em português). Eles buscam maneiras de evitar uma realidade mais difícil. Os brasileiros não gostam de dizer “não”. Eles dizem “sim, sim, sim”, mas, no fundo, queriam dizer “não”. Então, para mim, os brasileiros precisam ter isso em mente e parar de evitar o conflito. Porque, quando evitam, eles realmente não chegam a uma boa solução para os problemas. Eu sei que isso é difícil, mas é o melhor a fazer.
DINHEIRO – Então, brasileiro tem que aprender a falar mais não…
URY – (em português) Isso mesmo! Tem de falar não, mas de forma positiva. O desafio é justamente esse: como dizer não de uma forma positiva.
DINHEIRO – Há alguma mensagem final que você gostaria de deixar para os leitores?
URY – Sim. Eu acredito que negociar pode ser uma competência natural para os brasileiros, devido à sua sociabilidade e à sua cultura. Nos dias de hoje, todos podem contribuir com suas características positivas nacionais. Eu espero que, um dia, não apenas americanos venham ao Brasil para falar sobre negociação, mas também que brasileiros viajem para lá, para falar de técnicas de negociação.
Fonte: Willia Mury
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22 de dezembro de 2014 |

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