Decisões dos tribunais revelam posição pró-arbitragem
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Por Arnoldo Wald e Ana Gerdau de Borja
O desenvolvimento da arbitragem no Brasil ao longo dos últimos quinze anos e, em especial, nos últimos seis anos, corresponde à evolução alcançada por outros países em mais de meio século.
Durante esse período, no contexto da globalização e da crescente complexidade da vida econômica, houve uma grande expansão da economia brasileira e abertura comercial. Esse desenvolvimento se deveu, sobretudo, aos quatro pilares da arbitragem no Brasil: (i) a promulgação da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem); (ii) a declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em 2001[1]; (iii) a ratificação da Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958 (Convenção de Nova York), em 2002[2]; e (iv) a jurisprudência favorável dos tribunais brasileiros, especialmente do Superior Tribunal de Justiça.
A posição favorável dos tribunais brasileiros pode ser verificada, por exemplo, na utilização da Convenção de Nova York pelo STJ em suas decisões mais recentes. A título ilustrativo, o STJ decidiu que o ônus de provar a existência dos fundamentos que poderiam ensejar a recusa à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras previstos no artigo V (1) da Convenção e no artigo 38 da Lei de Arbitragem é da parte que manifestou objeção ao reconhecimento da sentença arbitral[3].
Os avanços da jurisprudência brasileira também podem ser verificados no caso Itarumã v PCBIOS[4], em que o STJ resolveu, de uma vez por todas, uma das questões mais debatidas em matéria de arbitragem no Brasil nos últimos anos: medidas cautelares na arbitragem.
De acordo com a decisão do STJ, os árbitros têm competência para conceder medidas de natureza cautelar. Por mais que lhes falte poder coercitivo, caso uma das partes se recuse a cumprir a ordem, os árbitros podem solicitar a assistência dos tribunais estatais para sua execução.
Ademais, o STJ entendeu nesse caso que, uma vez que o tribunal arbitral esteja constituído, os tribunais estatais não têm mais competência para conhecerem de pedido de tutela cautelar. Na hipótese de concessão de medida de urgência pelo juízo estatal antes da constituição do tribunal arbitral, a mesma permanecerá em vigor, podendo ser mantida, modificada ou revogada pelo tribunal arbitral.
Nesta esteira, vale mencionar o caso CEBEL v Schahin Engenharia[5], envolvendo conflito de competência entre tribunal arbitral e juiz, em que o STJ concedeu liminar para suspender ação cautelar de arrolamento de bens perante o juízo da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. A corte esclareceu que, apesar de a execução de eventual cautelar no caso envolver ius imperii, o tribunal arbitral tem competência para decidir concedê-la ou não.
Tanto este caso de conflito de competência entre juiz e tribunal arbitral como o Rede GUSA et al v Tribunal Arbitral FGV, em que também se discute se este tipo conflito estaria no escopo do artigo 105, I, d, da Constituição Federal, encontram-se ainda em julgamento pela 2ª Seção do STJ. Ao passo que em CEBEL v Schahin Engenharia a ministra Nancy Andrighi, o ministro Luis Felipe Salomão[6] e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino já proferiram seus votos, reconhecendo a competência do tribunal arbitral para dirimir a controvérsia, a ministra Isabel Gallotti proferiu voto em sentido contrário[7]. Já em Rede GUSA et al v Tribunal Arbitral FGV, o ministro Massami Uyeda[8], esclareceu que o juízo arbitral não integra o Poder Judiciário, de modo que o STJ não tem competência para conhecer do conflito; por sua vez, a ministra Isabel Gallotti[9] reiterou seu voto de não conhecimento do conflito.
Outra decisão recente que merece destaque é aquela proferida no caso Comverse v American Telecommunication[10], no qual o STJ discutiu a aplicabilidade da cláusula compromissória a partes não signatárias e a lei aplicável à representação legal das partes em arbitragens internacionais.
Neste caso, o STJ entendeu que as subsidiárias da parte que contestou o pedido de reconhecimento da sentença arbitral, apesar de não serem signatárias da convenção arbitral, participaram ativamente da execução do contrato no qual a convenção estava inserida, e ainda participaram voluntariamente do procedimento arbitral, inclusive nomeando advogado para representá-las. Concluiu que tinham concordado em se submeter à arbitragem.
Com relação à representação legal, o STJ entendeu que a representação legal na arbitragem internacional não está necessariamente sujeita às normas de direito brasileiro aplicáveis à matéria, e sim às normas escolhidas pelas partes, no caso, o Regulamente da ICDR/AAA. Esse raciocínio sugere que arbitragens internacionais podem estar sujeitas a um regime diferente e mais flexível do que aquele aplicável às arbitragens domésticas.
Ainda no tocante à posição favorável do STJ à arbitragem, merece destaque a Súmula 485, formulado pelo STJ, em 28 de junho de 2012, que afirma que “[a] Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”.
A Súmula 485 finalmente colocou um ponto final na discussão sobre a suposta necessidade de compromisso arbitral para que as cláusulas compromissórias firmadas antes da entrada em vigor da Lei de Arbitragem pudessem ser exequíveis. Prevaleceu, portanto, o entendimento, que já defendíamos, de que não é necessária a celebração de compromisso arbitral em presença de cláusula compromissória “cheia”[11].
Ainda há pequenas dificuldades a serem superadas em relação à arbitragem e entes estatais, considerando-se recente decisão do TCU relativa à concessão de rodovia, ao determinar à ANTT a limitação da arbitragem a matérias não relacionadas a questões econômico-financeiras do contrato de concessão[12]. Nada obstante, o STJ tem reafirmado a arbirabilidade subjetiva e objetiva das disputas envolvendo entes estatais, inclusive a desnecessidade de a convenção arbitral constar de edital, podendo ser firmada a posteriori[13].
O desenvolvimento da arbitragem também pode ser verificado na medida em que o instituto vem ganhando atenção também dos Poderes Legislativo e Executivo. Recentemente, o Senado Federal nomeou comissão composta por um ministro do STJ e diversos especialistas para atualizar a Lei de Arbitragem e elaborar normas a respeito da mediação, com o objetivo de responder às necessidades e dúvidas surgidas ao longo dos últimos 15 anos, desde a sua entrada em vigor, bem como à complexidade crescente dos negócios no país.
Os trabalhos desta comissão deverão ser desenvolvidos em consonância com aqueles da comissão nomeada para a revisão do Código de Processo Civil, que também inclui, por sua vez, algumas disposições em matéria de arbitragem (como por exemplo, o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras). Este alinhamento entre ambas as comissões é fundamental, a fim de evitar quaisquer inconsistências e assegurar a coerência e eficácia da nova legislação.
Na mesma linha, é importante mencionar a recente aprovação pelo Senado Federal do texto da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980 (Convenção de Viena), ainda sujeita à ratificação e promulgação pela Presidência da República.
A Convenção de Viena representa uma conquista do comércio internacional, tendo sido aprovada por mais de 78 estados partes, dentre eles as maiores potências mundiais, exceto o Reino Unido e a Índia. Através da uniformização do direito, a Convenção promove maior segurança jurídica, previsibilidade quanto ao direito aplicável, assegurando, portanto, a redução nos custos de transação. Por ser uma convenção internacional que traz normas que regulam o comércio internacional, a Convenção de Viena tem sido escolhida como lei aplicável ao mérito de inúmeras arbitragens internacionais que envolvam conflitos relativos à compra e venda de mercadorias.
Dessa forma, resta evidente a posição pró-arbitragem de nosso país, o que se extrai das decisões dos tribunais brasileiros, os quais têm abordado os problemas relativos à matéria de maneira construtiva e transparente, da posição da AGU[14], e da iniciativa positiva dos poderes Legislativo e Executivo.
[hr]