Entes públicos podem e devem resolver conflitos tributários por autocomposição

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A solução de conflitos tributários via autocomposição é um tema sempre tortuoso e faz lembrar os conhecidos Refis/ES da vida. Não há que se confundir, entretanto, um instituto com o outro, sendo este último bem mais limitado que o primeiro.
A forma consensual de dirimir tumultos na área tributária é uma possibilidade real que deve ser aplicada na prática e está intimamente ligada com o princípio da desburocratização, que nada mais é do que o encurtar caminhos para se chegar a um objetivo. Na esfera municipal, essa burocracia é ainda mais evidente, considerando que é nesse espaço geográfico “onde tudo acontece”.
O instituto da autocomposição está autorizado nas mais modernas legislações brasileiras (Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e Lei 13.105/15, do Código de Processo Civil).
Faz-se necessário desfazer o mito de que a indisponibilidade do interesse público e, consequentemente, do tributo devem impedir acordos realizados pelos entes públicos. O acordo pode e deve ser feito desde que, obviamente, respeitadas regras claras estabelecidas em lei municipal e em consonância com a Constituição Federal.
Não se discute que a margem de liberdade para a realização de acordos pelo poder público é menor do que a existente para o setor privado; entrementes, tal rigor é abrandado a partir do momento que se tem a prévia autorização legislativa, dando poderes a membro da advocacia pública para transigir, devendo essa mesma lei dispor no sentido de que todo o acordo realizado administrativamente tenha a ouvida do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário Estadual.
A autocomposição é um instrumento inspirado nos princípios da boa-fé, celeridade, eficiência e da colaboração, tratando-se de um meio alternativo de solução de conflitos, podendo ocorrer dentro ou fora do âmbito judicial. A autocomposição pode se dar tanto com a participação de terceiros que auxiliem nesse processo ou sem interferência de um conciliador. Ou seja, a composição pode se dar diretamente entre o contribuinte e o poder público.
O conceito do mecanismo da autocomposição é simples e pode ser encontrado na enciclopédia livre[1] como sendo “um método de resolução de conflitos entre pessoas e consiste em: um dos indivíduos, ou ambos, criam uma solução para atender os interesses deles, chegando a um acordo. Isso pode ser realizado por meio de criação e/ou de divisão de valores, podendo-se fazer, ou não, um ajuste de vontades entre as partes. Pode haver a participação de terceiros (conciliador ou mediador) ou não (negociação e evitação de conflito)”.
Na Itália, o Decreto Legislativo 156/2015[2] ampliou o âmbito de aplicação dos métodos de autocomposição, aplicando-se, inclusive aos tributos municipais, antes não abrangidos por conta da aproximação entre o Governante e os Governados, cabendo frisar que lá, a proposta é analisada, obrigatoriamente, por um órgão diverso daquele que constituiu o crédito tributário.
No Brasil, seguindo a linha italiana, caberá aos procuradores municipais, por meio de criação de câmaras especializadas, a instituição de condições para que matérias já pacificadas e demandas repetitivas, por exemplo, possam ser objeto de autocomposição, prevenindo e reduzindo o número de demandas que chegam ao Poder Judiciário.
Muito importante esclarecer que serão necessários elementos de controle para a análise dos acordos feitos pelos entes públicos, no sentido de que aja um fechamento dos trabalhos para fins de estatística, inclusive do Judiciário e, ademais para o atingimento dos principais objetivos do projeto, que é o exame da proposta para consentir um final à controvérsia, evitando-se um inútil e dispendioso contencioso.
Podemos destacar alguns tópicos e básicos para a para a sua realização:
  • existência de ato normativo (lei municipal), a fim de que se cumpram os princípios da publicidade e, especialmente, da impessoalidade (artigo 37, da Constituição Federal), se o tributo for municipal, que é base de nossa abordagem;
  • dar um valor limite para a possibilidade de se fazer a autocomposição e outras modalidades de solução de conflitos. O valor limite é importante, considerando que a maioria das ações que tramitam na Justiça estadual de Santa Catarina (Varas de Fazenda), por exemplo, não alcançam a quantia de R$ 50 mil;
  • delinear na lei municipal que o objetivo da autocomposição é descongestionar ao máximo o contencioso tributário, seja o administrativo como o judicial;
  • a lei municipal deverá dizer quem é a autoridade para transacionar, que em nosso entender, é do procurador municipal;
  • nesse diapasão, o acordo será realizado por meio de Câmara de Transação e Conciliação – CTC, a qual será composta por procuradores do município efetivos, aos quais caberá à apreciação e deliberação acerca da admissibilidade de proposta, observados, evidentemente, os critérios criados pela lei municipal;
  • a lei municipal poderá limitar o acordo, dizendo que o mesmo pode ocorrer apenas uma vez;
  • a parte que aceitar a autocomposição renuncia ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o recurso, eventualmente pendente, de natureza administrativa ou judicial.
  • a lei municipal deverá apontar critérios para poder fazer a conciliação: histórico fiscal, a forma de cumprimento das obrigações tributárias, a adoção de critérios de boa governança e a situação econômica do contribuinte;
  • o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público;
  • a autocomposição pode ocorrer tanto no âmbito judicial como também extrajudicialmente, sempre com a ouvida do Ministério Público e homologação pelo Poder Judiciário;
  • na proposta de autocomposição a ser formulada pelo sujeito passivo devem ser expostas todas as razões de fato e de direito pelo qual o sujeito passivo tem direito à autocomposição, devendo juntar prova de atendimento a todos os requisitos e às condições estabelecidos pela lei municipal;
  • no acordo celebrado diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir processo judicial, as partes poderão definir a responsabilidade de cada uma pelo pagamento dos honorários dos respectivos advogados;
  • em obediência ao sigilo fiscal toda e qualquer informação relativa ao procedimento referente à autocomposição deverá ser confidencial em relação a terceiros;
  • o acordo poderá ser reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial;
  • a lei pode dispor nos casos de parcelamento que a autocomposição não se aperfeiçoa com o pagamento da primeira parcela, mas somente o pagamento total do valor acordado.
Enfim, a autocomposição é um mecanismo que está aí para ser aplicado, inclusive, na esfera pública e em matéria tributária, mormente a municipal, em que as estruturas materiais encontram-se cada vez mais inapropriadas e ultrapassadas. A medida também se faz necessária para descongestionar as Varas da Fazenda do Poder Judiciário estadual, garantindo, assim, acesso à Justiça ao cidadão, lembrando, finalmente, que o atual cenário macroeconômico pede tal interferência como medida salutar à economia dos municípios.
[1] Wikipédia. Disponível no seguinte endereço eletrônico https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal. Acesso em 9 de maio de 2017.
DECRETO LEGISLATIVO 24 settembre 2015, n. 156. Disponível no seguinte endereço eletrônico: https://www.leggioggi.it/wp-content/uploads/2015/10/DLGS156_2015-pdf.pdf. Acesso em 08 de maio de 2017.
[2] DECRETO LEGISLATIVO 24 settembre 2015, n. 156. Disponível no seguinte endereço eletrônico: https://www.leggioggi.it/wp-content/uploads/2015/10/DLGS156_2015-pdf.pdf. Acesso em 08 de maio de 2017.
Por Cleide Regina Furlani Pompermaier, procuradora do município de Blumenau (SC), membro do Conselho Municipal de Contribuintes, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora universitária de Direito Tributário.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2017, 8h22
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27 de maio de 2017 |

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