Estratégia do Ministério da Justiça de desjudicializar conflitos causa polêmica

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21 de julho de 2014, 10h24
Por Renata Teodoro
No início de julho, a Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, lançou uma nova tentativa de baixar o volume de ações que entra na Justiça anualmente. A Estratégia Nacional de Não Judicialização prevê, por exemplo, que os maiores causadores de processos judiciais — como instituições financeiras e operadoras de telefonia — promovam acordos de cooperação para solução de controvérsias pela negociação, via conciliação ou mediação, com o mínimo de intervenção judicial — e, por tabela, de advogados — possível. Elogiada, mas também temida, a ideia causa polêmica. Para alguns especialistas, a falta de um advogado pode comprometer direitos. Outros dizem ainda que os 92 milhões de processos atualmente no Judiciário não são culpa apenas das partes. A Justiça também tem grande parcela de responsabilidade.
É o que pensa, por exemplo, o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Roberto Portugal Bacellar. Ao elogiar a iniciativa do Enajud, ele lembra de uma advertência de Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo e jurista inglês que diz que a “imperfeição da Justiça gera, a princípio, o terror; depois, a corrupção; e, por fim, a queda de qualquer regime”.
Na opinião de Bacellar, ocorreu uma contradição evidente. O Poder Judiciário lutou pelo acesso à Justiça — para não delegar, não perder poder — e hoje justifica o fato de não fazer justiça por causa do amplo acesso à ela.
Para embasar seu raciocínio, Bacellar lista o movimento de acesso ao Judiciário que começou há algumas décadas. Imaginava-se, segundo ele, a partir de 1965, quatro ondas de acesso à Justiça: a primeira para oferecer advogados aos pobres, com serviços de assistência judiciária; a segunda, destinada à proteção dos intereses difusos — meio ambiente e consumidor, por exemplo —; a terceira, para dar novos enfoques e múltiplas alternativas de acesso à Justiça; e a quarta tinha a inovação de trabahar a perceção e a crença na Justiça pelos próprios profissionais que trabalham no sistema.
“Já são 90 milhões de processos estocados e, a cada ano, mais 28 milhões ingressam. A estratégia [Enajud] é necessária e, por isso, defendo-a a fim de que tenhamos no Brasil uma quinta onda de acesso à Justiça, que tenha como foco a visão do jurisdicionado, do povo, do consumidor da Justiça, que precisa de uma solução rápida e efetiva”, avalia.
Sua visão de acesso à Justiça, no entanto, prevê não uma sentença judicial apenas, mas uma solução adequada dentro ou fora do Judiciário. Para ele, esse acesso deve ser medido pela correspondência mais próxima que houver entre a qualidada esperada pelo cidadão e a experimentada. “Sou totalmente favorável a soluções alternativas, extrajudiciais, administrativas. O Poder Judiciário deve estar sempre à disposição do cidadão para quando houver abuso, lesão ou ameaça de lesão a direitos.”
Catalisador de solução
Porém, por dispensar a presença de um advogado na resolução de conflitos, parte da classe discorda dessa estratégia. Para o advogado Eduardo Vital Chaves, do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados, a iniciativa é “louvável”, mas questionável do ponto de vista prático. “A garantia de que o cidadão comum não será privado de recorrer ao Poder Judiciário, caso assim prefira, é essencial. Não se pode fazer com que o cidadão seja obrigado a passar por essa tentativa extrajudicial de solução de conflito”, explica.
Chaves diz, ainda, que há um temor por parte dos advogados de que haja uma pressão e até mesmo imposição do modelo. Ele lembra que o atual presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, já havia tentado uma medida similar para incentivar a mediação extrajudicial, mas enfrentou resistência.
Para o advogado, há também muita desconfiança da população quanto à eficácia dessas soluções, não só pela incipiência dos meios alternativos, mas também pela falta de comprometimento com as decisões, principalmente dos setores mais demandados, como o poder público, os bancos e as empresas de telecomunicações.
“Por isso a necessidade de participação ativa de advogados, ainda que como mediadores, para que possam orientar e resguardar os próprios envolvidos, evitando uma pressão indevida pelo uso ‘obrigatório’ de tais ferramentas.”
O criminalista Guilherme San Juan Araujo, do escritório San Juan Araujo Advogados, vê a proposta como “excepcional”. Ele enaltece o trabalho feito pelo ex-secretário de Reforma do Judiciário, Flávio Caetano, um dos responsáveis pela Enajud. Mas ressalva a importância de manter o advogado dentro dos procedimentos. “A possibilidade da Justiça restaurativa cresce no mundo todo como um desafio para os tempos modernos. Mas é importante a presença do defensor de cada parte, pois o advogado é indispensável à administração da Justiça, conforme estabelece o artigo 133 da Constituição Federal.”
Renata Teodoro é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2014, 10h24
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24 de outubro de 2014 |

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