Lei de mediação é positiva, mas ainda precisa de ajustes

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Foi sancionada e publicada no dia 29 de junho de 2015, a Lei 13.140 de 26 de junho de 2015[1], que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Neste sentido, a novel legislação tem aplicação tanto ao direito privado quanto ao direito público.
Segundo o parágrafo único do art. 1º da Lei, é considerada mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Logo se distancia, portanto, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996[2], alterada recentemente pela Lei que instituiu o novo Código de Processo Civil – Lei 13.105, de 16 de março de 2015[3] e pela Lei 13.129, de 26 de maio de 2015[4]), no sentido de que, para a mediação, o mediador é um terceiro imparcial sem poder decisório, e na arbitragem o árbitro prolata uma sentença arbitral, um documento escrito[5] capaz de produzir, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo[6].
Considerando a abrangência e a amplitude da temática, iremos nos circunscrever ao campo do Direito do Trabalho, seara na qual a referida inovação legislativa deixou de gerar notável avanço e positivos efeitos jurídicos, econômicos e sociais.
Isto porque após a universal rejeição jurisprudencial da arbitragem[7] como forma alternativa de resolução de litígios trabalhistas, tudo indica que o legislador se atreveu a revisitar este ambicioso (e espinhoso) assunto, na esfera da mediação.
É o que flui do art. 42, § único, da Lei 13.140/15[8]. Ao longo da referida Lei, o legislador traçou as linhas mestras da mediação, definindo-lhe os conceitos, a abrangência e a instrumentalização. Mas, no que tange às questões trabalhistas, cuidou de não se interpor entre o entendimento jurisprudencial atual e as possibilidades reclamadas pela sociedade, relegando para uma futura legislação especial o enfrentamento desta questão, verdadeiro tabu no Judiciário Trabalhista.
A louvável tentativa da Lei da Arbitragem em estimular a autocomposição entre as partes, fomentando o dinamismo e a desjudicialização nestas relações, acabou rechaçada pela Justiça do Trabalho justamente porque retirava do Estado-Juiz a atribuição de fiscalizar as transações envolvendo os direitos dos empregados. A natureza indisponível (extrajudicialmente) dos direitos trabalhistas e, é claro, o protecionismo dedicado ao empregado hipossuficiente, constituíram o arrimo principal dessa resistência.
Com isto em vista, observamos que a Lei 13.140/15 previu duas modalidades de mediação, a extrajudicial e a judicial, sendo que esta última parece adaptar-se convenientemente à problemática que acabamos de mencionar.
Compelindo os Tribunais a criarem de centros judiciários destinados exclusivamente à mediação entre as partes, a norma inaugurou o conceito de uma modalidade pré-processual, algo assemelhado às sessões conciliatórias dos Juizados Especiais Cíveis[9]. Isto sem considerar as já existentes Comissões de Conciliação Prévia (CCP), criadas pela Lei 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que representam uma forma extrajudicial de resolver as demandas trabalhistas.
Associadas à Lei 9.957 de 12.01.2000 (do Rito Sumaríssimo), que veio acelerar a tramitação dos processos judiciais trabalhistas, as Comissões de Conciliação Prévia tinham como intuito contribuir para diminuir a enorme carga sobre a Justiça do Trabalho. Contudo, nosso Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que demandas trabalhistas podem ser levadas à Justiça independentemente de terem sido analisadas por uma CCP[10].
No âmbito do Judiciário Trabalhista, quer parecer que uma miríade de questões menos complexas poderia ser manejada rápida e seguramente através desse mecanismo, com inegáveis benefícios a ambos os polos dessa relação jurídica especializada. Cuidadosamente treinadas nos princípios singulares do Direito do Trabalho, as equipes de mediação judicial poderiam conferir ao Judiciário Trabalhista um dinamismo inédito (até para aos seus já elevados padrões), ao mesmo tempo em que velariam pela observância dos princípios norteadores desta especialidade.
Para tanto, representará um avanço inegável e diferenciado o aprofundamento do debate político-legislativo sobre a regulamentação da mediação no universo trabalhista, nos termos delegados pelo parágrafo único do Art. 42 da Lei 13.140 de 26 de junho de 2015, ao estabelecer que a “mediação nas relações de trabalho será regulada por lei própria.”. Considerando o atual clamor por reformas institucionais da sociedade e do Estado brasileiro, parece-nos imperiosa a vigorosa apresentação de propostas para esta regulamentação, acompanhadas de pontual e direcionada jornada de treinamento para desenvolvimento de equipes especializadas em mediação.
Certos aspectos, contudo, ainda se afiguram indefinidos, especialmente no que se refere ao tratamento que a jurisprudência virá a dar com relação à confidencialidade das informações reveladas no curso da mediação. Infrutífera a mediação, o pressuposto de confidencialidade subsistirá frente à garantia da ampla defesa e ao princípio da primazia da realidade sobre a forma?
Essas e outras questões ainda aguardam por resposta do legislador, da doutrina e da jurisprudência, o que não afasta, de modo algum, o elogio que deve ser rendido à iniciativa. Ademais, não nos parece distante o dia em que esta inovação venha a galgar os litígios trabalhistas, notadamente em vista do pioneirismo que sempre foi o estandarte da Justiça do Trabalho.
[1] Lei 13.140 de 26 de junho de 2015 – Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei 9.469, de 10 de julho de 1997.
[2] Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Dispõe sobre a Arbitragem.
[3] Lei 13.105, de 16 de março de 2015 – Institui o novo Código de Processo Civil.
[4] Lei 13.129, de 26 de maio de 2015 – Altera a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.
[5] Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. “Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito”.
[6] Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. “Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.
[7] Inúmeros são os casos verificados na jurisprudência pátria que enfrentaram a questão do cabimento ou não do procedimento arbitral na esfera trabalhista. Quase que a totalidade dos julgadores rejeita a aplicação do procedimento para julgar direitos garantidos pela legislação obreira. Citamos alguns exemplos: “CONCILIAÇÃO FIRMADA PERANTE TRIBUNAL ARBITRAL. EFEITO DE COISA JULGADA. VIOLAÇÃO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE AÇÃO. O Tribunal Arbitral não se presta à finalidade de homologar renúncia do empregado a direitos indisponíveis garantidos pela legislação obreira, tampouco sua decisão produz efeitos de coisa julgada. Aliás, pelo princípio da proteção ao hipossuficiente, a este é vedado renunciar aos direitos que lhe são garantidos pela Legislação do Trabalho, pois presume-se viciada tal manifestação de vontade. As normas trabalhistas não conferem ao termo firmado perante o Tribunal de Arbitragem o efeito de impedir o pleno exercício do direito constitucional de ação. (PROCESSO TRT/SP: 01600200808902005 – RECURSO ORDINÁRIO – 89 VT de São Paulo – Relator SERGIO WINNIK 22 de Setembro de 2009)”
“JUÍZO ARBITRAL. COISA JULGADA. LEI 9.307/96. INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO. FRAUDE. Esta Justiça tem repudiado com veemência a tentativa de fraudar direitos trabalhistas impingindo “laudos arbitrais”, ou “decisões” com efeito de “coisa julgada”, produzidas em instâncias extrajudiciais, a pretexto da aplicação da Lei 9.307/96. É manifesto que essa norma está direcionada às relações civis e comerciais, de sorte que não se cogita de sua aplicação subsidiária no âmbito desta Justiça Especializada pelo descabido portal do artigo 8º consolidado, vez que lhe falta a conditio essencial da compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. A presença de um advogado ostentando a investidura de “árbitro”, por trás dessa aparente “negociação” não afasta a manifesta fraude aos direitos do reclamante (art. 9º, CLT) e não confere validade ao procedimento extrajudicial espúrio. (PROCESSO TRT/SP: 02500200403802000 – RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO – 38 VT de São Paulo – Relator RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS -17 de Junho de 2008)”
“Arbitragem de conflito trabalhistas. Os conflitos individuais de trabalho não se sujeitam a tribunais de arbitragem (art. 114, § 1º, CF c/c art. 1º da Lei n. 9.307/1996) e menos ainda a homologações de acordo por referidos órgãos extrajudiciais, pois não substituem as comissões de conciliação prévia, tampouco a jurisdição estatal.’ (TRT 2ª R. – Proc. 02334-2003-039-02-00 – Ac. 20060693449 – 1ª T. – Rel. Juiz Adalberto Martins – DOESP 19/09/2006)”
“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ARBITRAGEM. TRANSAÇÃO. QUITAÇÃO. ALCANCE NO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO. O termo de quitação do contrato de trabalho pela transação efetivada perante o juízo arbitral, homologado pelo sindicato da categoria profissional, não produz eficácia liberatória geral do contrato de trabalho, tampouco faz coisa julgada, nos moldes do inciso V do artigo 267 do CPC, consoante jurisprudência desta Corte, cristalizada na Súmula n° 330. Nesse contexto, devem os autos retornar à Vara de origem, para que prossiga no exame da reclamação trabalhista, como entender de direito, afastado os efeitos jurídicos do compromisso arbitral nessa Justiça Especializada. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-159600- 38.2001.5.02.0003, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª T., DEJT 3/11/2009)”
“(…) ARBITRAGEM. TRANSAÇÃO. QUITAÇÃO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. APLICABILIDADE AO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO. 1. A Lei 9.307/96 preceitua que a arbitragem pode ser utilizada para a solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A Constituição da República, em seu art. 114, §§ 1º e 2º, autoriza a escolha de árbitros para a resolução de conflitos surgidos nas relações coletivas de trabalho. 2. No caso vertente, todavia, verifica-se que o tribunal arbitral foi utilizado para homologar rescisão contratual, pela qual o trabalhador, individualmente considerado, reconhece a quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho extinto. 3. Com efeito, esta Corte não atribui eficácia liberatória conferida por quitação ampla do contrato de trabalho em transação extrajudicial, ainda que homologada pelo sindicato da categoria. A quitação dada por meio de transação extrajudicial tem eficácia liberatória apenas em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo. Nesse sentido, a Súmula 330 desta Corte. 4. Se a jurisprudência se inclina para a invalidade da quitação geral e irrestrita das verbas rescisórias quando o trabalhador se encontra assistido por seu sindicato, com muito mais razão se afastam tais efeitos na hipótese de trabalhador que, no plano individual, firmou compromisso arbitral com sua antiga empregadora. Precedentes. 5. Evidenciado o uso da arbitragem para quitação de direitos indisponíveis do trabalhador, não se colhem, contra ele, efeitos do termo de compromisso exarado pelo tribunal arbitral. Recurso de Revista conhecido parcialmente e desprovido.” (RR-955/2007-024-02-00, 8ª T., Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 5/12/2008)”
[8] Lei 13.140 de 26 de junho de 2015. “Art. 42. Aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências. Parágrafo único. A mediação nas relações de trabalho será regulada por lei própria.” (grifo nosso).
[9] Lei 9.099/95, art. 7º
[10] Neste sentido, “Trabalhador não é obrigado a submeter demanda a comissão de conciliação prévia”. E também este outro texto da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho “STF suspende obrigatoriedade das Comissões de Conciliação Prévia”. Acesso em 24/08/2015
Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz, advogado e consultor em São Paulo. Sócio do Cruz & Creuz Advogados, bacharel em Direito pela PUC-SP; pós-graduado em Direito Societário pelo Insper; mestre em Relações Internacionais (Programa Santiago Dantas, convênio Unesp/Unicamp/PUC-SP) e mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP. É autor do livro Acordo de Quotistas – Análise do instituto do Acordo de Acionistas previsto na Lei 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas Sociedades Limitadas à Luz do Novo Código Civil brasileiro, com contribuições da Teoria dos Jogos (IOB-Thomson, 2007). E Pedro Alexandre Marques Sousa, advogado e consultor em São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de setembro de 2015, 9h44
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6 de setembro de 2015 |

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