Mediação é espaço para diálogo e compreensão de conflitos

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Finalmente a mediação ocupa a cena, contemplada com a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, e recepcionada em diversos artigos do novo Código de Processo Civil. Certamente, as inovações trazidas demandarão, além da formação de profissionais para tanto capacitados, muitos estudos e discussões, até que possamos estabelecer mais claramente seu alcance, aplicações e mesmo suas limitações. Uma discussão que apenas se inicia e que convida profissionais de outras áreas.
Diversas são as escolas de mediação, em nosso país, e em vários lugares do mundo, algumas não a distinguindo da conciliação; opção felizmente não adotada pelos nossos legisladores. A distinção muitas vezes sutil, porém essencial, diz respeito ao enfoque, mais amplo ou mais restrito, que é dado ao conflito, e ao seu encaminhamento. A conciliação visa o acordo, a mediação visa a ampliação da consciência do conflito e de seus determinantes, e o estabelecimento da comunicação.
Com a crescente judicialização dos conflitos, a confusão entre os dois institutos, e o privilégio dado ao acordo, atenderia, num engano, à utilização da mediação como forma de desafogar o Judiciário, para o quê aqui se alerta. E, nessa coluna da ConJur, a atenção está voltada à importância de uma noção mais ampla do conflito, por sua vez mais abrangente do que a lide judicial, e quanto ao seu aspecto transformador, e que transcende o acordo.
Com fundamentos na interdisciplinaridade, a mediação aporta ao Direito conhecimentos de outras áreas. Ela representa uma mudança de um paradigma disciplinar para o interdisciplinar, de um enfoque adversarial e negativo do conflito, para um enfoque colaborativo e transformador, de um enfoque objetivo para um enfoque que contemple a complexidade dos conflitos e também seus aspectos subjetivos.
Mudanças de paradigma que acabam, também, por propor o exame das diferenças e conflitos entre as disciplinas, entre as profissões, e das instituições, ademais daqueles próprios aos agentes mediadores. A este último aspecto também diz respeito a formação do mediador. Um caminho promissor, e que merece cuidado.
E mesmo que neste percurso, de discussão e difusão, hajam mais cursos de mediação do que mediações em curso, uma contribuição importante é a da mudança de paradigma e de seus efeitos transformadores na sociedade, e inclusive no Judiciário.
A mediação e sua prática não são novas, mas a sua crescente difusão resulta da compreensão da complexidade dos relacionamentos, menos hierarquizados e mais horizontalizados, da importância crescente dada a afetividade, e da necessidade de uma outra abordagem dos conflitos em suas diversas expressões, ainda mais daqueles que tem demandado a intervenção do Judiciário, dado o fenômeno da judicialização dos conflitos. E esse fenômeno tem levado, de modo negativo, a confundir o conflito com a moldura legal que lhe pode ser dada.
Grande parte do impulso que tem sido dado à mediação também resulta de uma crescente insatisfação com e, também, por parte do próprio Judiciário. E, ainda, resulta da frustração dos profissionais que, a despeito dos esforços e melhores intenções, encontram um descompasso em sua formação e quanto aos meios de que dispõem para atender seus clientes e à vocação e anseio de pacificação das relações.
O Judiciário encontra-se cada vez mais asfixiado com a impossibilidade, não só em atender a uma crescente demanda mas, também, em oferecer a devida prestação jurisdicional aos processos já em tramitação. E, nesse cenário, a mediação emergiria, indevidamente, quase que como um remédio mágico. Mas, mesmo que desconsiderássemos que tal caminho representa um engano, ainda assim a análise estatística demonstra que uma considerável parte dos processos advém do próprio poder público. E, ademais, em diversas contendas o Judiciário é utilizado como forma, veja-se, de protelar a Justiça; o que equivale, por omissão, em se deixar indevidamente utilizar.
Decorrente da percepção da difícil realidade, quase como em um “ato falho” é que se fala da mediação, e ainda da conciliação e da arbitragem, como meios adequados de resolução de conflito e impasses — como se o Judiciário não o fosse…. Um alerta para que sua função seja repensada.
A mediação não pode ser utilizada para escamotear uma realidade que põe em risco os mais nobres ideais e mesmo sua função.
Importante que na crescente judicialização dos conflitos possamos identificar alguns determinantes desta situação. E, justamente, uma contribuição, indevida neste cenário, deve-se a uma demanda que o próprio Judiciário ajuda, indiretamente, a criar ao se propor, inadvertidamente, a solucionar os conflitos.
Do ponto de vista interdisciplinar, parte da confusão, de origem e de objeto, encontra-se na ideia de que o Direito tem por objetivo a pacificação dos conflitos em sentido amplo, e que, assim consequentemente, estes poderiam ser resolvidos, dentro da moldura legal, e por meio de acordos ou sentenças. Sim, no senso comum, também falamos em resolver os conflitos. Mas, os novos tempos pedem que nos debrucemos mais detidamente em conceitos polissêmicos e nas especificidades das abordagens dos conflitos.
Segundo a ótica que, desde a virada do milênio, defendem as comissões de mediação e de interdisciplinaridade do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a crença de que se pode resolver o conflito, como se ele se confundisse com a visão que lhe imprime o Direito — o de uma pretensão resistida — mais contribui para que ele se torne crônico, ao invés de colaborar com sua transformação. A tentativa em assim reduzir a noção de conflito, acaba por desencadear o fenômeno que se conhece em psicanálise como o “retorno do reprimido”, ou seja, os aspectos não trabalhados do conflito acabam por retornar com igual ou maior força, também uma lei da física, cujos reflexos bem conhece o Judiciário.
Certo também é que, por outro lado, a judicialização dos conflitos é fruto de uma crescente consciência dos direitos aliada a uma angústia social devida a diversos fatores tais como: o esgarçamento do tecido social, resquícios de uma cultura patriarcal e paternalista, e crise quanto ao exercício da autoridade. Buscam-se outras qualidades nos relacionamentos e outras formas de exercício e legitimação da autoridade.
E, no contexto de incerteza e angústia, demanda-se segurança. Sendo ainda que os mais diversos anseios e expectativas, também subjetivos, são transferidos de modo inconsciente — e aqui o sentido é psicanalítico — ao Judiciário que, por definição e dados os devidos limites de sua função, não os pode atender. Alvo de idealização, além das falhas pelas quais deve sim se responsabilizar e buscar sanar, o Judiciário acaba ocupando o lugar de “bode expiatório” de projeção de dificuldades que têm origem também em outros lócus. O ciclo vicioso é o da insatisfação e cobrança que, enganosamente, soluções também ditas adequadas ou alternativas viriam a aliviar.
Mais do que um detalhe nesta análise, é o fato de que o Judiciário e os operadores do Direito, mesmo sem o saber, tornam-se presa inconsciente desta demanda — nome que, curiosamente, em psicanálise, tem o sentido de desejo, e nunca totalmente satisfeito. Mais metas, novas leis e resoluções, novo CPC, mais verbas, mais pessoal e assim o Judiciário vai se agigantando na crença de que sua função é atender a demanda de resolver os conflitos. E, neste cenário e fruto de engano, é que a mediação apareceria como alternativa, como se fosse panaceia para desafogá-lo…. E, assim, para atender a demanda em tudo resolver, os acordos podem acabar, mesmo com a distinção entre os institutos da mediação e da conciliação, por serem privilegiados.
E, nesta dinâmica, como resultado da crescente judicialização dos conflitos, e dada a ideia de que o Direito os pudesse extinguir, acaba por se contribuir para a injustiça. Um engano, em oposição à vida dada pela força transformadora dos conflitos — uma forma de paralisação da Justiça.
Ao invés de pensar a mediação como um método para desafogar o Judiciário, quando muito, e o que é já seria muito, a mediação pode ser utilizada como forma de compreender os conflitos e de questionamento quanto ao tratamento que lhes é dado, ampliando a consciência de suas características, de seus determinantes e suas consequências.
Ou seja, a mediação traz consigo um método de conhecimento dos conflitos, um método de sua abordagem, sejam eles representados apenas como conflitos, como controvérsias, ou como impasses sob a moldura de lides judiciais.
Enquanto um instituto, a mediação interdisciplinar pode ser definida como: um método por meio do qual um terceiro imparcial, especialmente formado, colabora com os mediandos de modo a que ampliem a consciência dos conflitos, de seus múltiplos determinantes e consequências, elaborando a transformação daqueles, por meio do estabelecimento ou restabelecimento da comunicação. Friso que o acordo é apenas um desdobramento possível.
A sentença, a conciliação e o acordo e a mediação representam óticas dos conflitos e expressam lógicas, não necessariamente excludentes de sua abordagem, em suas diversas expressões. Formas igualmente importantes, muitas vezes complementares, e que atendem a necessidades diversas. A definição mais clara dos instrumentos utilizados para abordar os conflitos em suas diversas expressões se faz de rigor. Opções que devem ser dadas aos que demandam a intervenção de um terceiro, seja no âmbito judicial ou não. E a possibilidade de opção contemplada nas novas leis representa mudança paradigmática.
Confundir a mediação com a conciliação, confundir o objetivo de estabelecimento da comunicação com a obtenção do consenso e celebração de acordo, confundir a expressão judicial e a extrajudicial dos conflitos, pode fomentar ainda mais a asfixia de um sistema aprisionado em demandas que, em muito, transcendem sua função.
E, de modo inverso, observamos que a judicialização dos conflitos se reflete não só nas demandas ao Judiciário, mas no caminho inverso, em se tentar centralizar e controlar a formação de mediadores extrajudiciais, imprimindo à mediação uma visão mais do Direito do que interdisciplinar. Um polêmico assunto para outra ocasião.
A mediação enquanto representativa de uma mudança de paradigma deve ser utilizada para pensar os conflitos de forma ampla, visando sua transformação, seja qual for sua expressão, o lócus e o método de abordagem. Este é o que se denomina de espírito da mediação.
Se aceitávamos antes a fala: antes um mau acordo do que uma boa demanda, podemos hoje dizer: antes uma boa mediação e mesmo uma boa demanda, do que um mau acordo. Sabemos, pela dura experiência, que inclusive a dinâmica processual exaustiva, e acordos forçados, não têm o condão de transformar e exaurir os conflitos. Muito pelo contrário.
Por Giselle Câmara Groeninga, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2015, 8h00
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2 de agosto de 2015 |

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