“Mediação não vai solucionar” juizados especiais abarrotados

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Às portas de completarem 20 anos, os juizados especiais são diagnosticados frequentemente como superlotados, abarrotados de processos. Para muitos, é fato que os chamados tribunais de pequenas causas deram tão certo que acabaram por dar errado, e hoje não fornecem ao cidadão uma opção mais simples e rápida à solução de conflitos.
A Corregedora Nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, não se excetua dos que destacam o excesso de demandas nos juizados. Para a magistrada, que no final do mês completa um ano à frente da Corregedoria, os tribunais estão lotados de ações que, por sua complexidade, deveriam tramitar na Justiça comum.
A solução apontada pela ministra para resolver a situação, entretanto, parece se distanciar do que se tem ouvido nos últimos anos em relação ao Judiciário. “Não. A mediação não vai solucionar”, afirmou Nancy ao JOTA, completando que “dá para mediar um conflito entre índios e agricultores, mas não dá para usar com o bombeiro que não arrumou a torneira”.
Sem passar pela mediação, a solução para os juizados, de acordo com a magistrada, está apoiada em três pilares: uso dos juízes leigos – advogados que auxiliariam na confecção de sentenças – diminuição da competência dos tribunais e não aplicação do Código de Processo Civil (CPC) aos julgamentos.
Nancy, que tem visitado juizados em diversos Estados, diz que além de ações de extrema simplicidade encontra nos juizados casos complexos, como processos envolvendo fornecimento de medicamentos pelo SUS ou compra de ações de empresas. Para ela, a retirada de casos envolvendo, por exemplo, bancos e teles, poderia desafogar os juizados.
Já em relação ao CPC, a corregedora aponta que, nos juizados, os julgamentos devem ser pautados pela equidade, afastando os tecnicismos do Código. “Nos juizados especiais o juiz não é obrigado a resolver as questões com base na lei”, afirma.
A magistrada, que elencou os juizados como uma das prioridades de seu mandato, busca a volta da simplicidade, oralidade e informalidade nos tribunais. “Eu não sei quantos anos nós vamos levar para reaver a credibilidade que tínhamos”, diz.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Quase 20 anos depois da edição da lei que cria os juizados especiais, qual o cenário atualmente?
Os juizados especiais primeiro foram instituídos no modo informal, por volta de 1983. Eu era juíza na Ceilândia [DF] quando nós criamos o primeiro juizado informal de pequenas causas. Era informal porque não tínhamos lei. Depois veio o juizado pela lei 7.244 [de 1984], que era só juizados de pequenas causas cíveis, não tinha nada de criminal. Somente em 1995 é que vieram os juizados especiais cíveis e criminais.
Quando chegaram o cível e o criminal, um novo sistema de Justiça foi criado. Eu costumo dizer que os juizados especiais constituem um divisor de águas do poder Judiciário. Conta-se uma história até o advento da lei 9.099 [de 1995] e depois é outra história, porque até a lei havia, no Brasil, uma deficiência muito grande de acesso ao Poder Judiciário, que é diferente de acesso à Justiça. Acesso ao Poder Judiciário são aquelas condições físicas e econômicas, de você ter dinheiro para contratar um advogado e entrar com uma ação. Acesso à Justiça é você ter à sua disposição um juiz imparcial, perfeito, pronto para lidar e fazer justiça. São as bases constitucionais: confiando na sua Justiça, você sabe que têm acesso à Justiça, tem um juiz imparcial e justo que vai julgar. Completamente diferente é o acesso ao Judiciário, que são elementos de caráter material, como contratar advogado, dinheiro e disposição de procurar um advogado para poder entrar com uma ação.
O que os juizados pretendiam? E, naquela época, se conseguiu? Queriam que o cidadão, pessoalmente, fosse ao juizado e lá verbalmente, sem a participação de advogado, fizesse a sua queixa e pedisse justiça. Parte dos juizados se definiu como amplo acesso ao Judiciário.
Hoje qual é quadro que se tem 20 anos depois? Com muita tristeza, eu vejo excesso de competência, de ações que não poderiam tramitar no juizado, mas estão tramitando. A que o juizado se propunha? A processar e julgar ações de baixa complexidade e que não ultrapassassem, no começo, até 40 vezes o salário mínimo. Então tinha dois critérios para competência: não ter nenhuma complexidade e ter ações até 40 salários mínimos – hoje já é 60 porque houve uma modificação.
Mas o que eu percebi? Eu fui à Goiânia [GO] em um juizado de Fazenda Pública, para saber o porquê de aquele juizado estar tão abarrotado de processos. Constatei, em poucos minutos de conversa com o juiz, que na vara dele chegavam todos os pedidos de remédios e de autorizações para internação. Esta é uma matéria de alta complexidade. É preciso um perito médico que me diga se esse remédio realmente é para isso, se a internação realmente é necessária, se aquela prótese que ele está pedindo é adequada. Esse aspecto, de não ter sido feita uma triagem correta da competência, fez com que os juizados, hoje, estejam completamente abarrotados. A finalidade dos juizados era apenas atender as causas que nos incomodam no dia-a-dia.
Eu vou dar um exemplo: você contrata um marceneiro para fazer um armário, paga metade na entrada e ele tem 20 dias para te entregar, mas ele não entrega. Aí você começa a se aborrecer, e é um verdadeiro calvário para fazer com que esse homem vá lá. Você acaba não ajuizando nenhuma ação porque está cansado, não quer nem mais ouvir falar. Aí você chama um bombeiro para a sua casa, ele conserta a torneira e uma semana depois ela está pingando de novo. Você liga para ele e se aborrece de novo, ele quer cobrar você de novo, mas você não vai ajuizar uma ação por causa do bombeiro. Aí você leva na lavanderia uma roupa, e a lavanderia queima a sua roupa. Você discute e o gerente diz que o problema não foi o funcionário, foi o tecido da roupa que não é bom, e você é culpado por usar um tecido péssimo. Mas você não vai na Justiça por causa da manga do casaco queimado, vai sair só com ódio de lá. E aí um dia você está dirigindo seu carro e alguém bate nele. Você desce, por acaso você tem uma arma no carro, e dá um tiro no sujeito. E o que os outros de fora vão dizer? ‘A Nancy atirou no sujeito porque era uma desequilibrada, uma pessoa nervosa. Como, por causa de uma batidinha, ela dá um tiro?’. Mas não é a batidinha. A batidinha foi a gota d’água no copo que transbordou.
Eu costumo dar esse exemplo para mostrar que a finalidade do juizado é estabelecer meios para que você possa cobrar o bom serviço do outro, a boa mercadoria, para que não fique constantemente estressada, desprotegida, achando que não tem a quem recorrer. O juizado era para isso, para essas coisas pequenas, para dizer: ‘Ah, você não quer voltar e arrumar minha torneira? Eu vou lá no juizado’. Aí eu passo no juizado, eu mesmo escrevo, se eu não puder ou não souber escrever vai ter um funcionário lá para fazer a atermação. E você vai dizer: ‘Eu contratei José da Silva, ele foi lá, não arrumou a minha torneira’. Não gasta nada, é super rápido. Você sairia dali com a data designada para a audiência, e o máximo que precisava era ter na mão o endereço do seu José da Silva, porque a Justiça vai chamá-lo. Essa era a finalidade, a essência dos juizados. É poder colocar na nossa vida cotidiana, que já é tão pesada, uma verdadeira harmonia, em que você cobra do outro. Tem um efeito didático, e as pessoas sabem que se não prestarem bem os serviços vão responder no juizado e vão ter que pagar uma multa.
Mas o que aconteceu? Se destoou totalmente. As telecomunicações da vida – Oi, essas empresas – o que elas fizeram? O cidadão começou a reclamar lá [nos juizados]. Não instalou em 40 dias, aí vem a [empresa de] telecomunicações e diz ‘olha, eu não instalei porque a linha de passagem na energia não passa ali, aí tem que fazer isso e aquilo’. Quando entra nessa dificuldade a causa já não é simples, e não poderia tramitar nos juizados porque precisa de um perito, para averiguar se efetivamente a empresa não pode ter instalado desta forma. E o que eles fizeram? Aquelas várias ações que compramos das companhias telefônicas, que a gente recebia de volta, foi para o juizado. Só que ali era matéria de alta complexidade, porque tinha que analisar balanço, tinha que analisar uma série de coisas que, se as empresas e os juizes dos juizados tivessem prestado atenção, porque eu acho que tenho que ter a humildade de reconhecer que nós somos o fator de assoberbamento também, tivesse dito que, embora o que as pessoas tenham a receber R$ 200 das ações da Telebrasília, a ação é de alta complexidade, precisa de uma perícia técnica e o juizado não foi feito para isso. Vá para a Justiça comum. Não foi feito isso e os juizados estão como estão.
O comportamento do juizado e o comportamento do juiz no juizado é completamente diferente da Justiça comum. A lei 9.099 diz que para conduzir um processo eu tenho que ser informal, simples e primar pela oralidade. O que foi feito? Botaram juizes cheios de tecnicismos e formalismos, que não se desprenderam dessa roupa antiga e continuaram fazendo os processos no ritmo técnico e exigente do Código de Processo Civil. Isso fez com que uma vara de juizado se igualasse à vara cível. Nas turmas recursais – porque quando se faz a opção pelo juizado é possível recorrer, e esse recurso não vai para o tribunal, vai para uma turma recursal, que é composta por três juizes da mesma jurisdição, que juntos podem modificar ou manter a decisão daquele juiz que proferiu a sentença – os três juízes esqueceram que são juízes e passaram a ser desembargadores. Formaram um tribunalzinho e começaram a imprimir ali, na turma recursal, todo formalismo que tem um Tribunal de Justiça estadual. Isso deformou totalmente a ideia.
Nas turmas recursais, quando nós idealizamos o juizado, não tinha papel. Era um carro de uma turma itinerante, que viajaria todo Estado e passaria julgando aqueles recursos. Hoje nós estamos com os Estados com muitas turmas recursais, e começou a dar problema de jurisprudência discrepante. Os vícios dos tribunais começaram a aparecer nas turmas recursais, e isso traz um transtorno inaceitável.
Eu fiz um programa na Corregedoria [chamado] Redescobrindo os Juizados Especiais. O que significa redescobrindo? Significa mude de óculos, use óculos contemporâneos e leia a Lei 9.099 com todo o modernismo que ela contém, não obstante ela ter 20 anos. Não existe lei no nosso sistema jurídico nacional – e olha que eu vou completar 40 anos de magistratura – mais avançada do que a lei 9.099, porque ela manda o juiz ser informal e simples, ou seja, manda que o juiz seja criativo, procure uma forma para que esse processo ande rápido. Isso é maravilhoso.
E mais, nos juizados especiais o juiz não é obrigado a resolver as questões com base na lei. O juiz no juizado pode resolver e julgar baseado na equanimidade. A Justiça é equânime, e por isso que não se pode igualar a jurisprudência. Querem fazer com que se iguale, em uma turma nacional de uniformização. É impossível uniformizar julgamentos proferidos com base na equidade, então por isso eu sou radicalmente contra a criação da turma nacional de uniformização dos juizados especiais [presente no Projeto de Lei nº 5.741 de 2013]. Não há possibilidade, dentro do julgamento equânime, que é aquele de Justiça, assim resolver.
Por exemplo, eu me lembro de uma causa dos juizados em que os galhos de uma árvore caíam todos para o lado do vizinho. Como você vai pegar a lei nesse caso? Às vezes não tem nem lei. Mas se você chamar os dois, disser ‘vem aqui na rua’, questionar se o galho está ou não passando, observar o vento. São coisas que criam uma inimizade entre vizinhos e que pode atrasar em tragédia. Esse é o juizado. Eu me emociono quando falo nisso. Por que nós, da Justiça, não conseguimos fazer isso? É triste não fazer isso.
Outro exemplo: deu um problema com a mensalidade da escola, a mãe vai no juizado, chama o diretor da escola. São para essas coisas, não é para atender banco – nós estamos cheios de bancos nos juizados – não é para atender telecomunicações, não é para atender Agência Nacional de Saúde [ANS]. Este é o problema, e juntando ele com a falta de vocação do juiz para ser um juiz de pequenas causas, de causas menos complexas, de ter a sensibilidade, de dar humanidade ao julgamento, tudo isso faz com que se frustre essa grande ferramenta que nós temos.
Eu reconheço, o próprio Judiciário está perdendo uma grande oportunidade de atender às necessidades do cidadão, e é por isso que eu coloquei como programa redescobrir os juizados. Vamos todos juntos ler novamente a lei, vamos nos desfazer dessa competência que não é nossa.
A senhora disse que os juizes do juizado especial começaram a ter um aspecto mais tecnicista e formalista. O que isso significa? Escrever com uma linguagem muito complicada?
Sim, e aplicar as regras do Código de Processo Civil, que são inaplicáveis, porque são muito técnicas, muito formais e não servem para o juizado. O juizado se orienta pela simplicidade e pela informalidade. O Código de Processo Civil se orienta pelo tecnicismo e pelo formalismo, são antíteses. Por isso que eu digo que o juizado é um micro sistema de Justiça no país, que se orienta totalmente diferente.
Sobre as turmas de uniformização, eu imagino que a ideia para a criação do PL seja não gerar uma insegurança para a pessoa que procura o juizado especial, de que existem decisões diferentes entre os Estados. A senhora acha que a não criação dessa turma geraria uma sensação de insegurança?
Não, porque é possível fazer esse tipo de trabalho [de uniformização] quando as ações são idênticas. O que está no Congresso Nacional tramitando, a lei, é para uniformizar nacionalmente. Eu digo que a realidade do Amazonas é incomparável à realidade do Rio Grande do Sul. As regras de bem viver na sociedade que se aplicam ao Pará não servem para o Paraná. Nacionalmente querer uniformizar não pode. As [turmas de uniformização] estaduais nós já temos, e cada Estado tem uma turma recursal e uma turma recursal de uniformização.
Lá no meu Estado, Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, vamos imaginar que a aposentadoria está sendo concedida aos 68 anos. Em Lagoa Vermelha, que é a minha cidade, também vai ser, porque lá tem a uniformização do Estado. Essa é a diferença. O que não pode é querer uniformizar o Brasil inteiro.
Uniformizar o Rio Grande do Sul com o Amapá…
Exatamente. Não dá. Vai criar um outro Superior Tribunal de Justiça, dos juizados especiais, o que é só burocracia, e vai estendendo, porque em cada grau de jurisdição você espicha um processo, ele demora mais para terminar. Na verdade, como são causas de menor complexidade e até 60 salários mínimos [as ações] têm que acabar em 90 dias, em cem dias. Isso é o ideal, senão perde a credibilidade. Eu não sei quantos anos nós vamos levar para reaver a credibilidade que a gente tinha.
E certamente você vai me perguntar: Nancy, e mediação, vai adiantar? Não.
Não?
Não. A mediação não vai solucionar, porque mediação nada mais é do que uma forma do gênero conciliação.
Qual seria a solução então?
A solução é purificar a competência, deixar pura como ela foi idealizada, aí sim dá certo. Senão não dá, porque se coloca 25 mil ações em uma vara, como eu fui agora conhecer em um Estado. 25 mil processos está terminada a vara, não dá mais.
Por exemplo: o sujeito está fazendo concurso para o corpo de bombeiros e roda no exame físico, ou no psicológico. Ele vai para os juizados, mas isso não é causa de menor complexidade, essa é uma causa de alta complexidade, que precisa ser resolvida na Justiça, com perícia em um Tribunal de Justiça. A primeira avaliação que eu faço é essa.
O Segundo ponto é não ter sido instalada a lei como deveria ter sido, ou seja, com a criação do juiz leigo. Quem é o juiz leigo? É aquela pessoa que vai ajudar o juiz presidindo audiências de instrução e fazendo um rascunho da sentença. Como deve funcionar isso? O juiz durante uma tarde não consegue fazer mais do que três instruções, porque tem no mínimo três ou quatro testemunhas, tem que ouvir os advogados, que fazem a sustentação oral. É complicado, então ele faz três audiências por tarde. Mas se ele tiver quatro juízes leigos cada um vai conseguir fazer três audiências, e ele [juiz], circulando toda hora nas quatro salas, acompanhando o trabalho do juiz leigo, vai ter no final do dia 12 audiências, 12 processos encerrados.
Do juiz leigo se exige que seja advogado formado com três anos de experiência, e ele fica proibido de advogar na área da Justiça em que ele está trabalhando como juiz leigo.
A criação da figura do juiz leigo na verdade eu entendo como democratização do poder do juiz, porque você divide com ele parte do seu poder. Ele [juiz leigo] vai ouvir as testemunhas, depois [o juiz] recebe a mídia. Nós estamos fazendo tudo gravado, mas tem muitos Estados em que ainda é ditado, juizados em que as audiências são ditadas e copiadas. E ainda é aquele sistema em que o advogado pergunta para o juiz e o juiz pergunta para a parte.
O papel do juiz leigo é fundamental para desafogar o número de audiências e de instruções. Esta é a finalidade do juiz leigo. Ele apresenta um rascunho da sentença. Nos Estados o pagamento desse juiz leigo está sendo feito por audiência e por sentença, por cada ato processual que ele pratica ele recebe. Mas muitos juízes não aceitam, e entendem também como uma divisão de poder porque [o juiz leigo] não fez concurso, então só um juiz investido das funções jurisdicionais poderia efetivamente dividir esse tipo de trabalho. Porém, como o ato desses juízes leigos está sob a coordenação do juiz, que está caminhando e vendo toda hora o que está acontecendo, que depois confere a sentença, tem a mídia, ouve todos os depoimentos e checa para poder assinar a sentença, eu penso que [a prática] não fere nenhum direito constitucional.
Muitos Estados não aceitaram a presença do juiz leigo ainda. Dezessete Estados brasileiros não aceitaram essa figura, por isso ainda está atravancado. Dos cinco TRFs [Tribunais Regionais Federais], nenhum deles adotou a figura do juiz leigo. Essa é outra forma de assoberbamento dos juizados.
O juiz leigo tem resistência só dos juízes ou a senhora sente que os advogados e a população também tem uma resistência?
Da população nunca senti resistência. Mas dos advogados sim. Há algum tempo atrás os advogados faziam críticas aos advogados que se encaminhavam para o trabalho do juiz leigo. Mas a resistência maior é entre os juízes e as cúpulas dos tribunais. Nós mesmos somos óbices para que as coisas se desenvolvam mais rapidamente. Na verdade os juizados são tão modernos que nós, juízes, temos dificuldade de aceitar essas modernidades.
E uma coisa importante que eu observei que também é causa de atravancamento é querer aplicar o Código de Processo Civil nos juizados. Isso não pode porque ele é altamente técnico, e cheio de nuances e incidentes. É um procedimento cheio de encaixes que levam anos e anos para terminar o processo.
A senhora citou que o juizado especial não serve para atender bancos, ANS e teles. Qualquer tipo de processo que envolva essas partes deveria estar na Justiça comum?
Não necessariamente. Apenas alguns tipos, aqueles que envolvem grau de dificuldade. Das teles eu dei o exemplo: quando é compra e venda de ações, que o cidadão tem ações, precisa receber, mudou de ação, houve incorporação das empresas. Tudo isso tem grau de dificuldade. Mas é diferente se o cidadão vai reclamar contra uma tele dizendo que, por não terem instalado no prazo certo causaram prejuízo, e demonstra qual foi o prejuízo que teve. Na energia elétrica, quando a companhia de energia elétrica não instalou a luz ou não ligou tempestivamente e ele [cidadão] perdeu toda a mercadoria que tinha em uma geladeira. Aí é juizados, porque não tem complexidade.
É claro que se um cidadão, por exemplo, pagar a luz atrasado, mas chegou em casa e a luz foi cortada tem que ir no juizado pedir imediatamente uma liminar para que seja religada imediatamente. Isso é juizado. É a parte que nos incomoda o bem viver. Eu não consigo viver sem água na minha casa, então eu tenho que ir lá.
A mediação tem sido apontada como uma solução para o Judiciário. A senhora acredita que para os juizados especiais ela não seja a solução?
Não, não é. E nem para a Justiça comum. A mediação é uma forma mais sofisticada de conciliação. A mediação faz com que as pessoas que estão em conflito sejam provocadas pelo mediador para que busquem, no interior delas, uma solução que apague as mágoas. Eu costumo dizer que isso vem da filosofia chinesa. Lá existe o ancião da aldeia, que faz o papel de mediador, e tem a obrigação de diluir os conflitos, apagar para sempre os rastros deste conflito, e consequentemente as mágoas. O mediador não sugere nada, ele convida as partes, provoca as partes para que elas encontrem uma saída, porque dificilmente você consegue, de fora, achar uma solução quando existem mágoas internas. A mediação lida muito com o emocional das pessoas. Na Justiça o juiz nunca leva em consideração a mágoa para ajudar, ele julga de acordo com a lei.
Por que eu não vejo a mediação para solução para tudo isso? Eu pergunto a você: Se você levou à lavanderia o seu casaco mais precioso, aquele que a gente tem um xodó pela roupa, e o dono da lavanderia queima a manga do casaco, há alguma coisa que possa mudar dentro de você para tirar essa mágoa? Aí, na verdade, é apenas conciliação. Você abre mão do seu direito, e o conciliador vai dizer: ‘A lavanderia não vai te cobrar, e vai te dar mais três lavagens de graça’. Vai fazer uma compensação. Mediação não é compensação, é resolver internamente o conflito. Quando se convida as pessoas em conflito para uma mediação a primeira pergunta que o mediador vai fazer é a seguinte: “Vamos apagar o passado e pensar apenas daqui para frente. Me digam como vocês querem viver em paz daqui para frente. Nós vamos ter que apagar o passado”. Eu tenho mestrado em mediação. Na verdade a mediação serve muito mais para as dores, para os processos de família, para uma dissolução de empresa familiar ou na divisão de uma partilha de filhos bilaterais e filhos unilaterais. Dá para mediar um conflito entre índios e agricultores, porque se cria metas, mas não dá para usar com o bombeiro que não arrumou a torneira.
A mediação é diferente, ela lida com a alma da pessoa, e a alma, os sentimentos, nunca foram analisados pela Justiça tradicional.
Mas a mediação está no novo CPC…
Ela vai servir para esses tipos de demanda que eu te falei. Pode estar lá, porque o Código rege falência, dissolução de sociedade, família, Fazenda Pública. É preciso separar esses conceitos. Conciliação é uma coisa, negociação é outra e mediação é outra. O que as pessoas que não estudaram profundamente a mediação estão dizendo que ela se aplica a tudo. Não, não se aplica. Se você for aos Estados Unidos, que é o berço da mediação, não é assim.
A senhora está fazendo inspeção nos juizados especiais. Como está sendo o processo?
O que eu estou fazendo para o mês de setembro é um movimento nacional de mutirão de realizações de audiências de instrução e julgamento. Eu estou pedindo que façam um mutirão de todas as ações que entraram até março de 2015, e todos os Estados deverão fazer esse mutirão. Eles vão escolher o espaço – dez dias, quinze dias – e deverão prestar contas à Corregedoria Nacional.
E paralelamente a Corregedoria está preparando uma cartilha de comportamento dos juízes dentro dos juizados. Algumas sugestões que a Corregedoria Nacional está fazendo e que eles poderão melhorar. Por exemplo, as turmas recursais julgarem de forma virtual. O relator coloca o julgamento dele à disposição dos outros dois membros, que se concordam acessam essa mesma caixa, dizem que estão de acordo e o computador automaticamente lavra o acórdão. Ou então, para quem não puder fazer desta forma – têm tribunais que não têm dinheiro para fazer a instalação desses programas – a nossa sugestão é que os julgamentos passem para o Skype. Os juízes sem saírem de casa se encontrem via Skype e façam os julgamentos. Seriam formas alternativas de fazer com que as coisas andassem, porque os juízes podem, em uma hora que não tem expediente, fazer esses julgamentos.
Também recomendei aos corregedores que passem essa incumbência de turmas recursais para os juízes do interior, que têm menos processos do que aqueles da capital. Então estão se criando turmas recursais extraordinárias de julgamento para zerar os julgamentos.
No seu discurso de posse na Corregedoria a defendeu o trabalho de juízes aposentados. A senhora acha que eles também poderiam auxiliar nos juizados especiais?
Eles poderiam ser juízes leigos com certeza. Eu pessoalmente sou contra esta lei que ampliou a nossa aposentadoria para 75 anos de idade, porque eu acho que nós, ao completarmos 70 anos, deveríamos deixar os tribunais para que haja uma oxigenação da Corte. Venham novos, imagine a quanto tempo eles estão esperando e agora se veem tolhidos. Cria um certo desânimo na magistratura.
Mas eu tenho uma outra ideia, de se criar nos tribunais o que existe nos Estados Unidos, chamado Rent a Judge. São juízes aposentados que fazem parte de um quadro permanente no tribunal, com todos os impedimentos que nós temos. É como se eles continuassem na jurisdição, e, mediante aceitação das partes, julgassem determinados processos. O Estado não precisaria pagar nossos salários e nós continuaríamos prestando serviço com toda essa bagagem de conhecimento e experiência que nós temos.
O juiz aposentado pode ser mediador nas questões de família. Penso eu, com 40 anos de magistratura, quantas questões de família já julguei, quanta experiência eu tenho para passar. Então eu posso ser mediadora, posso ser juíza leiga.
Aqui na Corregedoria Nacional eu tenho um recurso muito complexo que se chama Revidis, revisão de todas as decisões administrativas proferidas contra juízes em todos os tribunais do país. 97 tribunais. Quem me ajuda? Dez desembargadores aposentados do Tribunal de Justiça de São Paulo. Eles estão em casa, fazem eletronicamente a análise para mim, em uma média de 25 mil a 30 mil decisões, que têm que ser revistas. Eu sou muito de aproveitar essa mão de obra, mas não na carreira, fora da carreira auxiliando as Cortes.
Por Bárbara Mengardo
Fonte: Jota 16 de Agosto, 2015
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16 de agosto de 2015 |

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