"Não é função da arbitragem impedir as pessoas de procurarem o Judiciário"

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A máxima popular de que momentos de crise também é oportunidade nunca pareceu fazer tanto sentido como no caso da arbitragem. Em vigor há apenas seis meses, a Lei 13.129, que regula o procedimento, tem sido cada vez mais utilizada para resolver conflitos decorrentes da má fase pela qual passa a economia brasileira, avalia o advogado José Antonio Fichtner, que participou da comissão de juristas responsável pela elaboração da norma.
“Não é uma questão de achar, é um fato. O número de arbitragens tem crescido tanto nas instituições locais quanto nas instituições sediadas no exterior. O Brasil hoje é o terceiro país do mundo em número de arbitragens na ICC [International Chamber of Commerce]”, respondeu o especialista à revista Consultor Jurídico, quando questionado se a crise poderia fomentar o instituto.
A nova Lei de Arbitragem, que reformou a legislação acerca do procedimento, forma, ao lado da Lei de Mediação e do Código de Processo Civil, a tríade de normas jurídicas sancionadas em 2015 com a promessa de agilizar a solução de conflitos no Brasil. A Lei de Mediação entrou em vigor em dezembro, já o novo CPC passa a valer a partir de março deste ano.
Segundo Fichtner, a lei avançou em diversas frentes ao regular o uso da arbitragem na área societária, definir prazos para um eventual pedido de anulação da decisão arbitral, autorizar os árbitros a modificar liminares concedidas por juízes em medidas cautelares e permitir à Administração Pública utilizar o instrumento.
A Lei de Arbitragem foi aprovada quase que da mesma forma que fora proposta pela comissão de juristas. Os vetos foram dois: com relação ao procedimento para resolver problemas de consumo e conflitos trabalhistas. Mas isso não frustrou os elaboradores do anteprojeto de lei, disse o advogado.
“O propósito da comissão era proteger algumas espécies de trabalhadores, mas o veto veio e temos que trabalhar com a lei que existe e não com a lei que queríamos. Quanto ao outro veto, não houve grande alteração porque a interpretação que se faz da lei hoje, baseada em um precedente do Superior Tribunal de Justiça, é que o consumidor, querendo, pode instituir a arbitragem”, afirmou.
Para o advogado, a via arbitragem também não tem a missão de impedir que o cidadão procure o Judiciário. Essa alternativa, defende, “tem que ser vista como um remédio para questões complexas, para contratos que exigem uma solução rápida de um expert na matéria e que contenha um grau de pacificação entre as partes considerável.” Gera resposta mais rápida, em média 14 meses depois. E geralmente é confidencial, embora o segredo não precise ser regra.
Leia a íntegra da entrevista:
ConJur — O projeto de lei sugerido pela comissão foi aprovado praticamente na íntegra, mas houve dois vetos: um com relação à arbitragem nas ações de consumo e outro para as relações trabalhistas. Isso frustrou a comissão?
José Antonio Fichtner — A perspectiva era melhorar a vida de algumas classes de trabalhadores. No anteprojeto, havia um dispositivo que tinha por finalidade permitir que determinados empregados, como os que têm função de gerência ou de diretoria, pudessem utilizar a arbitragem como forma de solução para os litígios contra seus ex-empregadores. Em alguns segmentos da economia, se você entrar na Justiça contra o seu empregador, não consegue mais emprego em área nenhuma. A arbitragem tem como característica o sigilo e a privacidade, o que permitiria resolver as questões sem macular a vida do trabalhador. Então, o propósito da comissão era proteger algumas espécies de trabalhadores, mas o veto veio e temos que trabalhar com a lei que existe e não com a lei que queríamos.
Quanto ao outro veto, não houve grande alteração porque a interpretação que se faz da lei hoje, baseada em um precedente do Superior Tribunal de Justiça, é que o consumidor, querendo, pode instituir a arbitragem. Esse é o entendimento do STJ. O que fizemos foi simplesmente transpor para uma regra legal e positiva aquilo que o STJ já estabelecia como sendo a interpretação correta do Código de Defesa do Consumidor. Então, quanto a esse ponto, não houve grande prejuízo.
ConJur — A arbitragem será possível nos casos de consumo por causa do entendimento jurisprudencial?
José Antonio Fichtner — Exato. O entendimento atual do STJ diz que isso [a arbitragem] é possível se for por iniciativa do consumidor. Imagine uma empresa que comprou um avião, por exemplo, e que esse avião apresentou um defeito. Ela pode resolver isso tranquilamente através de arbitragem, que talvez seja o meio mais adequado para a solução dessa controvérsia, e não por meio do sistema judicial, que é muito mais demorado, ineficiente e, muitas vezes, sem pessoas preparadas para o tipo de litígio complexo que está sendo colocando.
ConJur — O senhor diz que a arbitragem na área de consumo e do trabalho se destinava ao consumidor de alto padrão ou trabalhador mais especializado. Essa restrição estava clara nos dispositivos vetados?
José Antonio Fichtner — No caso do trabalhador era restrita a essas situações excepcionais. E veja: sempre como uma faculdade do empregado resolver o seu conflito através de arbitragem. Já no caso das relações de consumo não porque é uma decisão puramente econômica: a pessoa decide se quer ou não aquele caminho. Já que é só o consumidor que pode escolher, então ele vai fazer os cálculos dele e vai definir quando é bom a arbitragem e quando é melhor a via judicial.
ConJur — Uma das críticas à arbitragem nos conflitos de consumo é que ela ameaçava as ações coletivas. O senhor concorda?
José Antonio Fichtner — Acho que cada instrumento tem a sua área de atuação. Houve uma certa reação das pessoas ligadas à área de consumo, que pretendiam que se mantivesse o sistema do Código de Defesa do Consumidor, mas a nossa ideia foi apenas de colocar mais um instrumento para o consumidor.
ConJur — Na sua avaliação, o veto à arbitragem na área trabalhista pode desestimular investimentos nesse momento de crise?
José Antonio Fichtner — O dispositivo do anteprojeto de lei se referia a um grupo muito restrito de empregados e não acho que isso vá interferir na decisão do investidor em colocar ou não o seu recurso no Brasil. Agora, se você me perguntar se uma mudança na legislação trabalhista brasileira mais profunda e mais liberalizante traria mais investimentos para o Brasil, não tenho dúvida que sim. Não acho que esse caso específico seja relevante, mas acho que pensar em liberalizar um pouco a matéria trabalhista, assim como organizar o sistema fiscal, daria ao Brasil um porto muito interessante para investimentos estrangeiros — investimentos esses que não temos capacidade de fazer atualmente por razões já conhecidas.
ConJur — Na sua avaliação, quais foram os principais avanços da lei?
José Antonio Fichtner — Em primeiro lugar, uma abrangência maior com relação ao uso da arbitragem na área societária, com a possibilidade de inseri-la nos estatutos das sociedades anônimas e de usá-la para resolver pendências entre os sócios ou entre a sociedade e os sócios. Esse é um passo importante dentro do sistema brasileiro, um dos grandes avanços que a lei trouxe. A lei também trouxe avanços técnicos em relação à questão de como se conta o prazo para anulação das decisões arbitrais, assim como a possibilidade de se proferir sentenças parciais. Imagine que dentro de um litígio haja uma parcela que não há conflito. Então o árbitro, assim como o juiz, vai poder, a partir de março, com o novo Código de Processo Civil, proferir uma sentença para resolver uma parcela do litígio.
ConJur — Como assim?
José Antonio Fichtner — Imagine que uma pessoa está cobrando R$ 100 em uma determinada disputa e vem a outra parte e diz que estava, na verdade, devendo R$ 40. O que o árbitro pode fazer, assim como o juiz também vai poder: condenar a parte a pagar os R$ 40, para o qual não há conflito, e continuar com a disputa em relação aos R$ 60 remanescentes. Isso faz com que as pessoas se concentrem na área do conflito em que de fato há uma disputa, uma resistência entre as partes. A doutrina já falava sobre isso e agora isso ficou esclarecido na lei. Tratamos também da necessidade da confirmação das liminares dadas em juízo pelos árbitros nos casos em que houver uma medida cautelar no Judiciário previamente à instauração da arbitragem. E outro fator fundamental também foi a possibilidade ampla da Administração Pública fazer arbitragem. A média de duração de um processo arbitral hoje, no Brasil, é de cerca de 14 meses. Boa parte do que se paga às vezes em disputas de grande envergadura, no valor final, são os juros e correção monetária. Então, entendemos que essa é uma forma de termos decisões mais rápidas, menos custosas e talvez mais eficientes nesse tipo de disputa.
ConJur — A Lei da Arbitragem deu poder coercitivo para o árbitro ao permitir que ele conceda liminares?
José Antonio Fichtner — Na verdade isso já existia. O que a lei veio foi só clarear essa situação. Esse era um poder que o árbitro já tinha, mas como havia uma discussão sobre se os árbitros podiam modificar liminares dadas previamente por magistrados em medidas cautelares, a lei veio deixar claro que podem. Mas boa parte da doutrina já entendia assim. Foi só para tirar uma dúvida do plano doutrinário e jurisprudencial.
ConJur — Na sua opinião, o reconhecimento da decisão arbitral estrangeira é burocrático no Brasil?
José Antonio Fichtner — A Constituição brasileira dá a mesma proteção para a sentença judicial estrangeira e a sentença arbitral estrangeira. E o STJ tem sido extremamente eficiente e tem proferido decisões muito importantes no sentido de reconhecer decisões estrangeiras, principalmente entendendo que as condições de anulação devem ser observadas no país onde a decisão foi proferida, de modo que aqui, para homologar, o STJ faz apenas uma análise formal da decisão. Toda vez que se tem tentado recentemente no Brasil resistir à homologação com base em uma questão de mérito, o STJ tem dito que isso é matéria para o país onde a decisão original foi proferida. Então, há um princípio de colaboração, de reciprocidade importante e de respeito às condições do país onde a arbitragem se desenvolveu.
ConJur — E com relação ao tempo para se analisar? É moroso?
José Antonio Fichtner — A média é em torno de 12 a 14 meses. Dentro da prática internacional, isso não é considerado absurdo.
ConJur — Nos EUA tornou-se uma tendência os contratos com cláusulas prevendo a arbitragem individual como único meio de solucionar conflitos. O senhor acha que o Brasil também pode seguir por esse caminho?
José Antonio Fichtner — Se não me engano, foi uma decisão muito apertada da Suprema Corte Americana que provocou uma reação ao impedir que, em determinadas categorias e situações de consumo, as ações coletivas pudessem ser utilizadas e que os contratos indicariam a solução de arbitragem individual para cada uma das pessoas envolvidas nas situações de consumo tipificadas. Sinceramente acho que essa não é uma decisão definitiva da Suprema Corte Americana. Não pode ser assim e acho que não será assim. Acho que da próxima vez que a matéria for levada àquela corte, em um futuro próximo, é possível que tenhamos uma decisão diferente. Mas estou falando com uma distância bastante considerável. Não me parece função da arbitragem impedir que pessoas venham individualmente buscar a solução dos seus problemas na via judiciária. A arbitragem tem que ser vista como um remédio para questões complexas, para contratos que exigem uma solução rápida de um expert na matéria e que contenha um grau de pacificação entre as partes considerável.
ConJur — O ministro Luís Felipe Salomão, que presidiu a comissão de juristas, defende que as questões muito técnicas sejam resolvidas pela arbitragem….
José Antonio Fichtner — Não tenho a menor dúvida de que contratos complexos na área de construção e societária, que envolvam relações de longo prazo e que sejam afetados de alguma forma pela variação da moeda ou regras regulatórias, são os mais adequados para uma solução arbitral. No entanto, temos uma quantidade grande de alternativas que podem substituir a decisão judicial com um custo menor e com uma capacidade de solução bastante considerável.
ConJur — Por que essas questões teriam uma solução mais adequada na arbitragem: por causa do tempo ou porque é mais provável encontrar um julgador especializado na matéria do conflito?
José Antonio Fichtner — Não posso reclamar. Na minha história profissional, as questões complicadas nas quais o Judiciário interveio, o fez de maneira absolutamente satisfatória. Fui responsável pela maior briga societária da história do Brasil, em uma época em que pouca gente sabia o que era execução específica de obrigações, e tivemos um sucesso muito grande. Estou me referindo à disputa dos fundos de pensão contra o Daniel Dantas, há uma década e meia atrás. A capacidade de solução, inclusive em tempo bastante razoável do Judiciário foi enorme. Mas hoje temos como realidade 102 milhões de processos em curso. Essa é uma situação que o Judiciário está tentando enfrentar, mas não é simples. Então, a mediação vem aí como uma tentativa para desafogar esse volume de processos. A arbitragem trata apenas de um percentual muito pequeno desse universo, mas tira da mão dos juízes, por escolha das partes, processos que tomariam muito tempo de solução de cada magistrado. Então, é um veículo que também é bastante importante na hora de administrar o tempo daqueles que distribuem justiça no Brasil.
ConJur — O senhor acha que a arbitragem pode ganhar fôlego com a crise que a gente vive?
José Antonio Fichtner — Essa não é uma questão de achar, é um fato. O número de arbitragens tem crescido tanto nas instituições locais quanto nas instituições sediadas no exterior. O Brasil hoje é o terceiro país do mundo em número de arbitragens na ICC [International Chamber of Commerce], é considerado hoje um caso de destaque no mundo internacional da arbitragem. O modo como a lei se fez prevalecer no Brasil, nesse pouco espaço de tempo, com esses resultados de aceitação, utilização e reconhecimento pelos tribunais… Isso tudo tem feito do Brasil um caso a ser estudado.
ConJur — O que a lei diz sobre a fiscalização das câmaras arbitrais, para fiscalizar eventuais fraudes?
José Antonio Fichtner — Estamos falando de uma coisa eminentemente privada, em que duas partes escolhem uma instituição arbitral ou apenas os árbitros, que decidem e aquilo vira coisa julgada. Se alguém utilizar esse instrumento para fins ilícitos, para cometer fraude, é uma questão que está à margem da arbitragem. Está mais para as delegacias, para o Direito Penal, do que propriamente para o direito que estamos tratando. A lei não intervém.
ConJur — Como fica a arbitragem com a entrada em vigor do novo CPC?
José Antonio Fichtner — São normas complementares. Se tivéssemos que classificar, dar um adjetivo, esse CPC é o do precedente. Aquele que procura criar nos tribunais superiores uma fórmula de solução para demandas idênticas, que se espraie por todo o Judiciário cadeia abaixo, impedindo a renovação de demandas idênticas. Acho que isso é muito importante, e o novo CPC prestigia a arbitragem tratando a sentença arbitral como se fosse a própria sentença judicial. Também reconheceu que a arbitragem tem um foco de atuação bastante restrito. Por isso, elegeu a mediação como grande instrumento para resolver os conflitos na acepção de quantidade. Vamos ver se a mediação vai se apresentar como um instrumento eficaz para isso.
ConJur — Quais são as hipóteses de nulidade na arbitragem?
José Antonio Fichtner — A nova lei e o CPC também não alteraram as hipóteses de anulação. Elas continuam as mesmas do artigo 32 da Lei 9.307 [Lei de Arbitragem]: é nula a sentença arbitral se for nulo o compromisso e se o acordo para fazer a arbitragem, de alguma maneira, for nulo; se emanou de quem não poderia ser árbitro — a lei tem hipóteses que definem que algumas pessoas não podem ser árbitras em determinadas situações; não contiver os requisitos do artigo 26 — que é o relatório, a fundamentação, a data e o local em que foi proferida; não decidir todo o litígio; tiver sido proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; tiver sido proferida fora do prazo ou em desrespeito aos princípios que tratam o artigo 21, parágrafo 2º, que são os princípios processuais do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do nível de convencimento.
Conjur — Uma das críticas à arbitragem é a possibilidade de uma das partes, quando insatisfeita, ir ao Judiciário. A Lei de Arbitragem ou o novo CPC preveem algo contra isso?
José Antonio Fichtner — Não há propriamente um recurso. A medida que a parte tem, uma vez proferida a decisão arbitral, é propor uma ação, mas que tem um conteúdo muito limitado. Não houve praticamente alteração com relação a isso e a possibilidade de a parte fazer exceção de arbitragem se mantém presente. O que está se discutindo ainda é qual o melhor instrumento para isso. Existia no projeto do novo CPC a exceção de arbitragem. A parte, então, teria a oportunidade de entrar com uma exceção de arbitragem e dizer “isso não é para ser discutido pelo Poder Judiciário”. E o juiz poderia extinguir.
ConJur — Mas isso no meio do processo judicial?
José Antonio Fichtner – Isso. Imagine que você tenha contratado comigo a arbitragem. Aí, um dia, resolve que vai entrar na Justiça. Então você diz que há exceção de arbitragem, que estava prevista no projeto do CPC….
ConJur — Como uma exceção de competência?
José Antonio Fichtner — Exatamente. Você entraria com a exceção e o juiz falaria que não era competência dele, que a arbitragem havia sido escolhida e extinguiria o processo. Só que no final do processo legislativo, o Congresso eliminou essa possibilidade da exceção e resolveu que essa defesa teria que ser feita na contestação.
ConJur — E isso é ruim?
José Antonio Fichtner — É que no sistema que vai entrar em vigor, você entra com a ação, depois tem uma audiência de mediação. Não obtida a mediação, depois de um prazo, você oferece a sua contestação. Então, pelo que está proposto, você vai exigir que o juiz tenha, no conjunto de audiências de mediações que está fazendo, algo que não é da competência dele. E isso até ele verificar que de fato aquilo é para ser resolvido através de arbitragem e não pela via judicial. Por isso, sugiro que se estabelecesse a possibilidade dessa exceção de conhecimento para que o juiz possa resolver aquilo. Não faz sentido nenhum esperar seis meses para eliminar o que nunca deveria estar na frente do juiz.
ConJur — Em que momento o senhor defende a propositura dessa exceção?
José Antonio Fichtner — Estou falando especificamente de uma ação em substituição à arbitragem.
ConJur — Ou seja, quando as partes desistem da arbitragem no meio do caminho e entram com a ação.
José Antonio Fichtner — É. Por exemplo: surgiu uma possibilidade de conflito e a parte, ao invés de ingressar com a arbitragem, entra em juízo. Aí vem a outra [parte] e diz que a exceção de arbitragem seria a solução prevista. Mas eliminaram isso e colocaram como parte da contestação, o que não me parece adequado.
ConJur — Quanto tempo leva até uma resposta?
José Antonio Fichtner — Vai levar uns seis meses. Isso não faz sentido nenhum, é um contrassenso ao próprio código, que se propõe à celeridade e às soluções rápidas.
ConJur — Tem algum projeto de lei em vista para mudar isso?
José Antonio Fichtner — A gente está sugerindo a construção jurisprudencial, como existia em relação à exceção de pré-executividade para os casos em que alguém entra com uma execução contra você, mas não é você quem deve, é outro. Ao invés de garantir em juízo com um bem e depois entrar com embargos para dizer que a parte é ilegítima, a pessoa dizia “não sou eu”, então o juiz extinguia e redirecionava. Estamos usando esse precedente como algo a ser manuseado nessa hipótese. Vamos ver se vai funcionar.
ConJur — O senhor é a favor da divulgação da jurisprudência arbitral? Como isso seria possível com as cláusulas de confidencialidade?
José Antonio Fichtner — Estamos falando de um mercado privado. Então, temos que combinar com o cliente. Ele que escolhe a arbitragem, o advogado, o árbitro. Não adianta a gente querer criar um sistema de divulgação em que o dono do problema não compartilha da mesma decisão. É óbvio que é bom ter um sistema jurisprudencial que sirva de referência, mas isso tem que ser dividido com os donos dos casos, eles têm que autorizar a publicação dessas referências jurisprudenciais. Algumas instituições arbitrais preveem isso. A facilidade dessa situação é que, uma vez que as partes escolham aquela instituição arbitral, elas já estariam concordando com a divulgação dos casos, mas isso não é a regra. Sou partidário, filosófica e teoricamente, da posição de que a confidencialidade não é uma qualidade intrínseca da arbitragem, ela tem que ser contratada. A arbitragem não é por natureza confidencial. As partes podem estabelecer, no procedimento arbitral, o princípio da confidencialidade. Então, não tenho problema nenhum quanto à divulgação, só acho que tem que combinar com o dono do problema.
ConJur — A divulgação de uma jurisprudência arbitral vincularia os árbitros a segui-la, como ocorre no Judiciário?
José Antonio Fichtner — Acho que não. O árbitro tem liberdade para decidir. Uma questão mais complexa é se os árbitros estão vinculados às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo. Isso é algo que se debate no plano doutrinário e que tem implicações filosóficas profundas porque implicaria, dependendo da resposta, dois sistemas jurídicos distintos.
ConJur — Qual é sua expectativa com relação à arbitragem na Administração Pública?
José Antonio Fichtner — Acho que toda situação nova provoca uma reação. No âmbito do Direito Administrativo e da área pública, a arbitragem já vinha sendo prevista em algumas legislações específicas, como a lei das PPPs [Parcerias Público-Privadas] e na Lei dos Portos. O que faltava era uma regra geral que admitisse a utilização da arbitragem como meio de solução das questões envolvendo a administração pública. A aprovação, pelo Congresso, de uma norma autorizando a utilização da arbitragem em caráter amplo e geral no âmbito da Administração Pública mudou o cenário legislativo e as pessoas estão agora se acomodando: as procuradorias dos estados e a Advocacia-Geral da União estão adaptando a sua estrutura e regras internas para fazer os procedimentos arbitrais. Acho que isso vai ser bom para o futuro do Brasil. Temos agora que estar vigilantes para que essas arbitragens sejam feitas no mais alto padrão e para que o instituto seja tratado na via pública como vem sendo tratado na via privada: com a maior correção e com excelentes resultados.
ConJur — A legislação dá tratamento diferenciado ao poder público na arbitragem, a exemplo do prazo em dobro e da remessa necessária existentes no processo judicial?
José Antonio Fichtner — Não. Na arbitragem, isso é contratado. As partes, ao organizarem os termos de referência de uma arbitragem específica vão definir os prazos para cada uma delas e as peculiaridades da administração serão obviamente preservadas.
ConJur — O procurador terá liberdade para deliberar sobre os termos da arbitragem?
José Antonio Fichtner — Se não houver uma regra interna da administração estabelecendo o contrário, sim. Mas os árbitros serão as pessoas mais preocupadas em garantir prazos adequados para o poder público.
ConJur — Como fica a questão da confidencialidade nessa situação?
José Antonio Fichtner — A nova Lei de Arbitragem teve o cuidado de dizer que as arbitragens serão públicas quando a Administração Pública estiver envolvida. Ou seja, nada há de inconstitucional. Foi proposital que assim se fizesse, porque a luz é o melhor tipo de remédio para evitar que um instrumento bom seja utilizado para maus propósitos.
ConJur — Em um momento de crise e denúncias crescentes de corrupção nas organizações públicas, a resolução de um conflito pela via não estatal, que seria o Judiciário, é bem visto pela sociedade?
José Antonio Fichtner — Acho que a arbitragem vale pela qualidade dos seus atos e pela postura que as partes tomam no curso do procedimento. Acho que as pessoas têm que ter o cuidado de escolher árbitros que possam proferir as melhores decisões possíveis em cada caso concreto. E acho que a imprensa especializada tem que acompanhar o que vai ser feito, discutir os resultados e avaliar isso. Mas é difícil a opinião pública como um todo poder aferir a qualidade desse instrumento. Acho que se nós tivermos o apoio da imprensa especializada, acompanhando de perto os resultados, estaremos entregando para a nação um instrumento mais eficaz do que vínhamos com relação à solução de demandas complexas envolvendo a Administração Pública.
Por Giselle Souza, correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2016, 8h30
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3 de janeiro de 2016 |

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