O novo art. 832, §§3º-A e 3º-B da CLT é um entrave à conciliação trabalhista?

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Instituto norteador do Processo do Trabalho e com aplicação reinante durante todo o percurso do processo trabalhista (art. 764, §3º, da CLT) a conciliação é um método pacificador inigualável de conflitos e que atende à entrega da prestação jurisdicional justa e efetiva, na medida em que as próprias partes chegam a um consenso e termo a respeito da lide com a autoridade da coisa julgada entre elas (art. 831, parágrafo único, da CLT).
Nessa linha, as partes sempre tiveram liberdade de conciliar em qualquer etapa do processo trabalhista, cabendo ao magistrado ponderar acerca da homologação da avença, atuando de modo a evitar prejuízo às partes e terceiros, bem como violações ao ordenamento jurídico.
Na fase de conhecimento essa liberdade sempre foi mais elastecida, já que a controvérsia posta no processo permite as partes, à luz dos riscos da prova, ponderar acerca de sua eventual sucumbência quanto às pretensões formuladas.
O método conciliatório, que é inerente ao processo trabalhista desde a criação da Justiça do Trabalho, a partir de 2006 passou a ser uma importante política adotada pelo CNJ, com a instituição dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) pela Resolução CNJ 125/2010.
Na onda de mais uma minirreforma, a CLT sofreu outra alteração no último dia 20 de setembro e apesar de ter havido apenas a inserção de dois parágrafos com modificação de um pequeno trecho da Consolidação, a adição é de caráter pujante e impacta os acordos firmados na Justiça do Trabalho. Assim é que veio a Lei n. 13.876/2019, recentemente, incluir no art. 832 da CLT, os §§3º-A e 3º-B que, em confusa redação, dispõem in verbis:
Art. 832 – Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
(…)
3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.
3º-A. Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior:
I – ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou
II – à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.
3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.
A fonte dessa alteração legislativa foi o PL 2999/2019 que tinha como desígnio apenas a antecipação de honorários periciais pelo Governo Federal nas ações propostas em face do INSS com pedido de revisão ou concessão de benefícios, sendo que por meio da emenda 2-U ao PL em 19/07/2019 foram inseridos os parágrafos que alteraram a CLT, sob a seguinte justificativa[1]:
REGULAMENTAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO VERBAS INDENIZATÓRIAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Atualmente, no âmbito da Justiça do Trabalho, embora o §3º do art. 832 da CLT determine a discriminação da natureza jurídica das parcelas remuneratórias constantes da condenação ou do acordo homologado em juízo, o que se verifica na prática conciliatória é a atribuição de natureza jurídica indenizatória da maior parte das verbas, mesmo aquelas de natureza tipicamente remuneratória, o que resulta na impossibilidade de arrecadação de imposto de renda e contribuição previdenciárias.
Considerando o valor de R$ 13 bilhões pagos nas Justiça do Trabalho a título de acordos judiciais, no ano de 2018, e assumindo a estimativa conservadora de que 50% dessas verbas foram discriminadas como de natureza indenizatória, quando na realidade possuíam natureza remuneratória, encontra-se o valor de R$ 6,5 bilhões sobre os quais não houve incidência do imposto de renda e contribuições sociais.
Com efeito, considerando as alíquotas aplicáveis a cada espécie,
alteração ora proposta tem o potencial de gerar receita adicional de R$ 1,95 bilhão por ano, o que representa aumento de receita da ordem de R$ 19,5 bilhões em 10 anos. (grifos no original)
A inserção deste dispositivo frankenstein em um projeto de lei cujo tema era diverso, isto é, sem qualquer correlação com a questão de recolhimento previdenciário proveniente de acordos da Justiça do Trabalho, torna a inovação à CLT questionável quanto à boa técnica legislativa, nos moldes da Lei do Processo Legislativo (LC n. 95/98), que em seu art. 7º, I e II exige que cada lei tratará de um único objeto e que a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão, o que não foi observado pela Emenda do Senado Federal.
Daí se observar que a mens legislatoris nada mais foi que viabilizar a arrecadação sobre as parcelas de natureza remuneratória, eludindo que os acordos celebrados em sede de ações trabalhistas alterassem verbas de natureza remuneratória para indenizatória, afastando, assim, a incidência de encargos previdenciários e fiscais. Todavia, a alteração legislativa reflete, principalmente, na questão da liberdade das partes na discriminação de verbas nos acordos celebrados perante a Justiça Especializada.
Da análise dos dispositivos, é mister evidenciar, de plano, que a inserção tem liame expresso com o disposto no §3º do citado dispositivo celetista que já dispunha que: “§ 3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso”, de forma que não se pode interpretar os tenros dispositivos desvinculados da redação consolidada.
O §3-A vem dispor, em síntese, que salvo nas demandas em que o pleito for de pedidos exclusivamente de natureza indenizatória, as parcelas referentes às verbas de natureza remuneratória não poderão ter como base de cálculo valor inferior ao salário-mínimo ou o piso salarial da categoria. Tal dispositivo, outrossim, gera inexoráveis dúvidas quanto à sua interpretação, uma vez que não é possível visualizar exatamente qual foi a intenção do legislador, o que poderá dar margens a interpretações diversas a depender do caso concreto.
Sob este prisma, nos incisos I e II nota-se que se instituiu como base de cálculo mínima para apuração das contribuições previdenciárias o salário-mínimo, sem levar em conta especificidades de alguns contratos de emprego como o contrato por tempo parcial e o contrato intermitente ou naqueles em que o parâmetro de cálculo para as contribuições previdenciárias for menor que este, a exemplo de pretensão de diferença salarial, em que o valor da cobrança do recolhimento deveria ter por base a diferença entre o valor efetivamente percebido e o pago, que pode ser menor que o valor do salário-mínimo, que passou a ser a regra.
A mesma situação ocorre com o §3º-B, quando substitui o salário-mínimo pelo piso salarial, mas que também não esclarece como ficam os casos em que não há discussão sobre o piso da categoria, em que a convenção coletiva determine diferentes pisos salariais ou em casos nos quais sequer há instrumento normativo acostado aos autos.
A par disso, não se extrai na norma em referência a proibição de discriminação de parcelas indenizatórias no acordo judicial, mas apenas que, se houver parcelas de natureza salarial discriminadas, estas devem observar como parâmetro para fins de contribuição previdenciária o salário-mínimo ou o piso salarial normativo, o que é despiciendo, na medida em que dos próprios pedidos formulados podem se inferir outras fontes, maiores ou menores do que aquelas, mas, com certeza, mais adequadas ao caso concreto.
Como versado em linhas transatas, as partes sempre foram livres para discriminar a natureza das parcelas do acordo, desde que respeitados os limites dos pedidos formulados no exórdio, sendo, inclusive, admissível tal discriminação apenas como verbas de natureza indenizatórias. Isso tudo porque, na fase de conhecimento, em regra, ainda não se discutiu o mérito e não se sabe se as parcelas de natureza salarial constantes no pedido seriam deferidas a quem as postula no caso de prolatação de sentença, ou seja, como ainda não se saberia quem é o vencedor ou o perdedor na demanda não se poderia transacionar sobre a “res” devida de modo definitivo.
Para os casos em que já houve a entrega da prestação jurisdicional com a sentença de mérito ou em que não discute vínculo empregatício, noticia-se que a jurisprudência pátria já prevê a arrecadação dos valores buscada pelo legislador tal como consta nas OJs 368, 376 e 398 da SBDI-I do C. TST, de modo a resguardar o direito da União quanto a seus créditos devidos no processo.
Não é demais lembrar que o Relatório Justiça em Números de 2019 do CNJ aponta a Justiça do Trabalho como o ramo do Poder Judiciário com maior índice de conciliação, com 24% dos casos solucionados por meio de acordo, cabendo salientar que esse índice sobe para 39%, quando se trata de conciliação na fase de conhecimento no primeiro grau de jurisdição. Já na fase de execução, o índice de conciliação na Justiça do Trabalho cai para 8%, segundo o mesmo relatório[2].
E isso ocorre, porque nessa fase o caso já foi decidido pelo Poder Judiciário, a quem às partes delegaram essa incumbência, já tendo sido fixadas as parcelas a que tem direito o trabalhador e terceiros (União, por exemplo), diminuindo, assim, a margem de barganha que se tinha na fase anterior do processo.
Nesse sentido, a tentativa de fixação de parâmetros para o recolhimento das contribuições previdenciárias pode não surtir o efeito desejado, não só pelo fato de que as novas disposições não proíbem a discriminação de parcelas indenizatórias nos acordos trabalhistas na fase de conhecimento, bem como pelo fato de que as próprias partes podem deixar de entabular avenças em razão dos riscos de recrudescimento dos custos do processo, reduzindo não só o número de acordos, mas também o montante arrecadado.
Desse modo, cremos que se a leitura interpretativa da norma for feita no sentido de que se houver outros pedidos que não sejam de natureza indenizatória não se poderia fazer acordo somente com tal discriminação, haveria violação à liberdade das partes de transigirem, assim como inviabilização do acordo na fase de conhecimento e com isso se pode deixar de pôr fim a uma demanda que, muitas vezes, necessitaria apenas de uma conversa entre as partes para ser resolvida.
[1]Fonte: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7981807&disposition=inline Acesso em: 05.out.2019
[2]Fonte: http://tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/indice-de-conciliacao-da-justica-do-trabalho-e-o-maior-de-todo-o-judiciario-aponta-cnj?inheritRedirect=false. Acesso em: 05.out.2019.
Por Solainy Beltrão dos Santos, juíza do Trabalho Substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. E Adriano Marcos Soriano Lopes, juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de outubro de 2019, 6h29
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21 de outubro de 2019 |

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