STJ julga validade de cláusula arbitral

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu não ser necessária a assinatura das partes para que uma cláusula arbitral tenha validade. O entendimento – na análise de um recurso que dividiu os ministros da 3ª Turma – é que basta a comprovação do consentimento de ambos os lados em resolver os conflitos de forma extrajudicial.
No caso, os ministros analisaram se cartas trocadas entre as partes serviam como prova de que havia a concordância. O processo em análise ainda tinha como agravante o fato de as negociações terem ocorrido em 1995, um ano antes da Lei de Arbitragem brasileira (Lei nº 9.307, modificada pela Lei nº 13.129, de 2015).
O conflito envolve a compra de ações de uma companhia de navegação do Rio de Janeiro. Sócios haviam firmado um compromisso de compra e venda, mas sem a definição dos valores. Nas correspondências trocadas, sugeriam que eventual divergência deveria ser resolvida por avaliadores, um nomeado por cada parte. Não havendo consenso, estes, em conjunto, indicariam um terceiro, cuja decisão seria final, definitiva e acatada por ambos.
Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Belizze entendeu ser o acordo “inequívoca cláusula compromissória”. Belizze usou como base para a decisão o artigo 4º da Lei de Arbitragem. No dispositivo consta que a cláusula compromissória pode estar em documento apartado do contrato. Os requisitos são estar estabelecida por escrito e ter a concordância das partes.
“Se assim ajustaram as partes em delegar a solução de específica controvérsia a um terceiro, cuja decisão seria final, definitiva e por elas acatadas, não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se nessa tarefa”, afirmou o relator em seu voto. “Sobre o termo ‘avaliador’ utilizado pelas contratantes, este deve, sim, ser compreendido como ‘árbitro.’”
Sócios da companhia que entendiam pela instauração do procedimento de arbitragem – e que venceram a disputa no STJ – haviam perdido na primeira e na segunda instância do Rio de Janeiro. E no tribunal superior, o julgamento foi apertado: dois ministros acompanharam o relator Marco Aurélio Belizze e os outros dois divergiram.
Para o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que abriu divergência, não há “elementos mínimos” para concluir que as partes tenham demonstrado a intenção de “abrir mão da jurisdição estatal” ou de submeter o conflito a um órgão arbitral. Ele entendeu que não se tratava de cláusula compromissória em razão de dois fundamentos: a falta de assinatura de ambas as partes e porque a cláusula remetia à nomeação de avaliadores profissionais, não de árbitros.
“O fato de tal documento ter sido redigido muito antes da entrada em vigor da Lei de Arbitragem só reforça essa conclusão”, disse o ministro.
A decisão da 3ª Turma anulou todo o procedimento judicial sobre o caso. O conflito terá de ser decidido na arbitragem. Como se trata de “cláusula vazia” (sem os elementos necessários à instauração do procedimento), o relator orientou os sócios a buscar espontaneamente a arbitragem ou fazerem uso do artigo 7º da lei. O dispositivo estabelece que não havendo consenso entre as partes, a decisão sobre esses elementos deve se dar por meio de uma ação judicial.
Representante da parte que venceu a disputa no STJ, o advogado Ivan Nunes Ferreira, do escritório Nunes Ferreira, Vianna Araújo, Cramer e Duarte Advogados, disse que a carta em que consta a cláusula da resolução extrajudicial foi analisada em conjunto com outros documentos que comprovavam a aceitação das condições por todas as partes do processo. “O importante é que fique claro que as partes se sujeitaram a uma decisão que não é a do Judiciário. E, neste caso, havia a vontade inequívoca”, afirmou.
Especialista na área, a professora e advogada Selma Lemes, do escritório que leva o seu nome, chamou a atenção sobre um caso anterior, de 2003, também julgado pelo STJ. Na ocasião, os ministros reconheceram uma sentença arbitral estrangeira em que as partes também não haviam assinado a cláusula compromissória.
O processo envolvia uma empresa brasileira do setor têxtil. A companhia comprou algodão de fabricantes da Índia por meio de uma bolsa de mercadorias da Inglaterra. A cláusula arbitral, apesar de não constar no contrato entre as partes, era estabelecida pela bolsa que intermediou a negociação.
A companhia brasileira se manifestou, por meio de carta, em um dos recursos da arbitragem. Os ministros se posicionaram sobre o caso quando a sentença foi encaminhada para a homologação no Brasil. Neste caso, eles reconheceram a existência de uma cláusula arbitral tácita porque a empresa não tinha assinado, mas compareceu para se defender.
Segundo a advogada, esses são os únicos dois casos sobre o tema que se tem notícias no STJ. Para Selma, no entanto, o acórdão atual é mais sofisticado do que o anterior. “Nesses 20 anos em que a Lei de Arbitragem está em vigor, notamos que primeiro houve uma sedimentação dos conceitos da arbitragem e agora estamos em uma segunda fase. Essa interpretação mostra um aprimoramento, lapida melhor os conceitos da lei e acompanha a realidade”, disse.
Ela entende que até mesmo trocas de e-mail já serviriam para demonstrar a cláusula compromissória. “Basta que a outra pessoa diga que concorda”, disse Selma. “A lei fala em consentimento, não precisa da assinatura.”
Já o especialista Ricardo Ranzolin, sócio do escritório Silveiro Advogados, considerou que a decisão provoca reflexos também no “dispute board” – método de arbitragem geralmente usado na construção civil, em que há o acompanhamento do caso desde o início. A decisão é proferida de forma mais rápida e deve ser cumprida de imediato pelas partes. Assemelha-se aos efeitos de uma liminar concedida pela Justiça. E assim como no Judiciário, a decisão do dispute board não é a final, ou seja, o caso ainda passa por análise da arbitragem convencional.
Para o advogado, no entanto, a partir do acórdão do STJ pode-se entender que as decisões do dispute board também possam ser definitivas. O método é citado pelo relator, ministro Marco Aurélio Belizze, ao abordar discussão sobre os termos usados para árbitro. A doutrina usada pelo ministro expressa, em determinado trecho, que as partes “podem convencionar que as decisões proferidas não estão sujeitas a qualquer recurso”.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor
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22 de junho de 2016 |

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