A arbitragem está em crise no Brasil?

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É comum se falar em crise do Poder Judiciário. Em vista disso, já passamos por inúmeras reformas processuais e três Códigos de Processo Civil em menos de cem anos. Mais recentemente, tem-se ouvido que outra forma de solução de disputas, a arbitragem, estaria em crise. A própria Lei de Arbitragem, de 1996, já foi modificada, mas, na ocasião, os ajustes foram “cosméticos”; não se entendeu haver necessidade de muitas mudanças. E há agora uma ação trazida por um partido político, perante o STF, buscando a decretação de inconstitucionalidade de dispositivos dessa Lei.
Sendo o Direito produto do ser humano, isso não deve ser surpreendente. Toda obra humana é imperfeita, necessitando de ajustes ao longo do tempo; até porque a realidade se transforma e nem sempre o Poder Judiciário é a melhor e mais democrática forma de atualização da lei, preferindo-se a mudança por aqueles representantes do estado que tenham a legitimidade do voto.
Pois bem, mas a arbitragem está mesmo em crise? Necessita de algum tipo de ajuste? É verdade que como acadêmico, escuto bastante, por meio de discursos “anedóticos” (i.e., sem evidências empíricas) que sim, que a arbitragem está com problemas. Os sinais mais evidentes viriam de alguns poucos julgamentos emitidos pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), demonstrando algum desconforto dos magistrados com a falta de atenção com o dever de revelação pelos árbitros, como se não fosse permitido ser árbitro, professor e advogado.
O primeiro cuidado, portanto, para nos aproximarmos da realidade, é trabalhar com evidências científicas e não apenas por meio de impressões ou percepções. As impressões pessoais costumam ser borradas por vieses cognitivos como o da disponibilidade (isto é, uma recente experiência ruim com uma arbitragem pode “contaminar” o julgamento); e as percepções costumam ser influenciadas por vieses e narrativas, muitas delas construídas a partir de interesses particulares.
Os neurocientistas alertam especialmente para que não fiquemos sujeitos ao que lemos, pois a mídia é especialista em manipular nossos vieses cognitivos; e as postagens em redes sociais não são diferentes (sua imediatidade e impulsividade acaba gerando percepções erradas de seus leitores, alimentadas por inúmeros vieses humanos). Temos que ficar particularmente atentos a matérias jornalísticas que podem criar uma narrativa de crise da arbitragem com o intuito de desprestigiar o instituto. O próprio Poder Judiciário deve ficar atento a essa estratégia, afinal, o juiz toma decisões como qualquer ser humano e é influenciado como tal.
Não vamos esquecer dos motivos que justificaram a criação do instituto no Brasil. A bem da verdade, arbitragem é tão velha quanto Aristóteles, que já recomendava essa forma de solução de controvérsia aos atenienses. Mas aqui ela surge justamente como alternativa às partes, dando a elas a possibilidade de, querendo, optar por uma outra via de resolução do litígio. Com isso, criou-se uma saudável concorrência ao Poder Judiciário, que se viu inclusive pressionado a criar varas empresariais, as quais melhoraram a prestação jurisdicional, como recente trabalho acadêmico demonstrou, com evidências empíricas. Qualquer um pode ser árbitro, inclusive o advogado e o professor! A atenção deve recair na revelação.
Dito isso, há evidências científicas sobre uma eventual crise da arbitragem a justificar uma intervenção do Poder Judiciário — leia-se STF — ou mesmo do legislador?
Um recente estudo do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBar), conjuntamente com o Instituto de Pesquisas Ipsos [2], traz dados sobre a percepção dos stakeholders do processo arbitral, que indicam haver uma satisfação com instituto, contrariando impressões pessoais anedóticas e, também, a narrativa midiática mais recente de uma crise.
Vale dizer, na visão dos players, não haveria motivos para grandes modificações legais. A pesquisa traz igualmente dados sobre o relativo desconhecimento do instituto, o que pode afetar juízos negativos dos que desconhecem a realidade do funcionamento da arbitragem (inclusive a de magistrados).
É verdade que não podemos classificar exatamente essa pesquisa de percepção como uma pesquisa científica, mas ela é um sinal para que possamos estar mais alertas a discursos e narrativas de crise. É também uma sinalização de que intervenções nessa ferramenta de solução de controvérsias deve ser precedida de estudos e pesquisas e não puramente alteradas por penadas judiciais baseadas em convicções pessoais.
Nesse sentido, a Lindb (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro) obriga os julgadores a ponderarem os efeitos de suas decisões. Ora, decisões — ainda mais cautelares — sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem devem ser precedidas da mensuração desses efeitos antes de uma intervenção estatal. Ora, qual o efeito de se alterarem disposições legais da arbitragem?
Pode tal decisão comprometer um instituto que vem prestando grandes serviços aos jurisdicionados, normalmente grandes empresas que visam lucro em suas operações? Pode acontecer uma nova sobrecarga do Poder Judiciário com eventual prejuízo de uma intervenção à arbitragem? Enfim, existem inúmeros potenciais efeitos a serem mapeados.
Em resposta, portanto, à pergunta inicial, se arbitragem está em crise, a resposta parece ser a de que, aparentemente, não. Mas há bastante desconhecimento ainda sobre seu funcionamento, assim como sinais de algum interesse na criação de narrativas sobre sua deslegitimação e também há riscos de que uma intervenção do STF desprovida de evidências científicas sobre o problema a ser resolvido e os efeitos da sua decisão, possam ser prejudiciais aos jurisdicionados.
A arbitragem foi criada porque não queríamos resolver tudo perante o Poder Judiciário e ela prestou grandes serviços até aqui aos agentes privados. Possivelmente seus problemas — e eles potencialmente existem, como tudo que é humano — poderão ser resolvidos dentro do próprio mercado arbitral ou pela competição com outros métodos de solução de conflitos.
Afinal, ela não é obrigatória. Se não funcionar bem, sempre haverá a via judicial. Empresas podem opt out e ninguém melhor que as empresas para saber o que é melhor para si em uma economia de mercado. O pior que pode acontecer é voltarmos ao monopólio jurisdicional, afinal diz o ditado que “de boas intenções, o inferno está cheio”.
Por Luciano Benetti Timm, doutor em Direito, presidente da Associação Brasileira de Liberdade Econômica, professor e advogado.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2023, 6h06
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4 de maio de 2023 |

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