Os riscos da arbitragem

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João Luiz Coelho da Rocha
Já está consolidada entre nós a opção pela arbitragem privada substituindo o poder judiciário em tantas possíveis questões e litígios. Mas algumas características da via arbitral conduzem a certo desencanto com as sonhadas vantagens do novo sistema.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Já está consolidada entre nós a opção pela arbitragem privada substituindo o poder judiciário em tantas possíveis questões e litígios, principalmente os de origem contratual.
Como se tem observado, essa maneira de solução de disputa traz vantagens como (a) o desafogo do judiciário tão atochado de processos, com a consequente demora absurda na solução dos litígios e (b) uma maior simplificação e, pois celeridade nos processos ali no âmbito arbitral submetidos.
Mas logo se revelaram algumas características da via arbitral que conduzem a certo desencanto com as sonhadas vantagens do novo sistema.
O certo é que as arbitragens, apesar de dispensadas da taxa judiciária, e das sempre incomodas custas cartorárias, não tem se mostrado procedimentos baratos. No caso das câmaras arbitrais internacionais então, as custas são quase abusivas. Isso, é claro, traz um desestímulo à parte economicamente mais fraca, na sua busca de afirmação de seus direitos.
Para além disso, na ausência do julgador estatal, para isso muito especialmente preparado, desfrutando de garantias e prerrogativas que lhe asseguram independência e equilíbrio, temos julgadores mais sensíveis ás forças e pressões, que não dizem com sua integridade, mas com a inalienável condição humana, e suas circunstancias pessoais.
Como a atuação na arbitragem proporciona prestígio e boa remuneração, não é preciso extrapolar muito para se perceber que, por exemplo, entre a Petrobras e uma pequena contratada num contrapeso arbitral, os experts tenderão mais a prestigiar a gigante produtora, manancial inevitável de futuros julgamentos e escolhas.
No que se refere a arbitramento sobre divergências estritamente jurídicas ainda temos o risco de certa promiscuidade entre advogados e árbitros, pois estes tendem a ser profissionais do ramo, muito afeitos a seus colegas patronos das causas.
Mas, há muito mais do que isso na contrapartida do investimento na arbitragem.
Os árbitros muito dificilmente terão a extrema e cuidadosa formação do magistrado, preparado para a difícil tarefa de aplicação da lei ao caso concreto, e que muito se vale já da convivência com seus pares nos tribunais, já na sua própria atuação pretérita na enorme quantidade de casos que julga.
Essa questão da aplicação, do ajuste da norma legal ao concreto dos eventos expostos, é um ponto de maior fragilidade da arbitragem vis a vis as funções bem específicas do julgador estatal.
Recentemente, em arbitragem procedida em Salvador, envolvendo disputa entre uma grande universidade local e uma empresa de serviços, o laudo arbitral, unanime, de modo expresso decidiu a querela cotejando uma norma geral com uma norma especial do Código Civil e fazendo aquela prevalecer. Não há dúvidas na hipótese nem necessidade de interpretações, pois na parte do “decisium” onde se insere a fundamentação claramente se descarta uma norma do Código Civil que cuida da rescisão de obrigações bem especiais, para se abraçar a regra geral de rescisão de obrigações.
Aqui, portanto, os julgadores, entre eles um renomado especialista em arbitragem e professor de São Paulo e advogado, e outro um professor de direito civil da UERJ, fizeram tabula rasa do princípio da especialidade, por todos reconhecido como permeando a ordem jurídica brasileira no sistema de aplicação das leis.
Não há acórdão do STJ ou do STF que, analisando tal questão, não expresse claramente a prevalência da lei especial sobre a norma geral.
Ora, há tempos que a nossa doutrina e jurisprudência já afirmam que a diretriz do respeito à ordem pública é fundamental também na formulação do laudo arbitral brasileiro, até porque seria um contrassenso e absurdo lógico querer que a decisão estrangeira assim se pautasse, mas disso fosse dispensada a decisão nacional.
Certo que todos os autores sustentam que não há conceito fixo de ordem pública no Brasil, mas sim uma percepção consagrada de que normas e princípios estruturantes da ordem jurídica assim devem ser catalogados.
Como admitir então que julgadores privados, por lapso, por falha de entendimento, resolvam uma questão – tão importante para as partes – desprezando a regra-principio adotada sem exceção pelo Judiciário, de que a lei especial prevalece perante a geral?
Parece um desses casos que ensejam uma ação anulatória da arbitragem, mostrando como, ainda que com professores e especialistas, mas enfim, advogados, (menos centrados na técnica e no uso de apreciar a lei para julgar) há riscos sérios de afronta ao o bom direito e ofensa à ordem pública.
* João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, e ex-professor de direito da PUC/RJ.
Fonte: Migalhas
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11 de agosto de 2014 |

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