Melhor saída para a execução é a conciliação

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Como diminuir esse gargalo chamado execução, que dá trabalho e descrédito à Justiça? A sensação de “ganhei, mas não recebi” de diversos brasileiros tem prazo para acabar? Os tribunais fazem convênios, centrais de leilões e de conciliações, e tentam acelerar os processos com medidas do dia-a-dia, mas devedores sem patrimônios não deixam muitas alternativas. Advogados e juízes defendem mudanças de atitude dos membros do Judiciário e do Legislativo, e principalmente da população.
No último relatório do Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (ano-base 2009), a taxa de congestionamento da fase de execução não-penal em toda a Justiça foi de 85,7% enquanto que a de conhecimento 63,4%. Depois do relatório, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, revelou que de 100 processos que chegam à execução, só 31 trabalhadores recebem. “Apesar de o Brasil ter um dos mais eficazes sistema de averiguação de renda pelo Estado, os devedores conseguem esconder muitos patrimônios”, critica o advogado Carlo Frederico Müller.
Ele defende que a melhor forma de evitar problemas na execução é que os negócios “sejam precedidos pela análise de um advogado, profissional que conhece os riscos dos negócios, e é capaz de diminuí-los ao máximo. Para isso, já estabelecem garantias logo no início, como avais e hipotecas”. Quanto a essa função preventiva da categoria, Müller chama atenção para a diferença entre os profissionais brasileiros e os europeus e norte-americanos. Lá, eles são vistos como investimento, e não despesa, como acontece no Brasil.
O advogado se diz contrário à ideia de que normas mais rigorosas resolvem os problemas da sociedade, e lembra que a matéria da execução no Código de Processo Civil foi alterado em 2005 e o gargalo não sumiu. Com isso, sugere que a solução do problema deve atingir sua base, no caso, a educação do povo brasileiro, que deve saber seus direitos e deveres e procurar um advogado para diminuir os riscos de seus atos.
A defensora pública do estado de São Paulo, Renata Flores Tibyriçá, concorda: “a solução para o Judiciário não é ter mais juízes, fóruns, defensores, promotores nem aparelhamento. Isso não contém o principal, que é a litigiosidade”. Nesse caso, diz que a conciliação é uma possível solução. “Deve-se mostrar para a população que o acordo é melhor do que brigar.”
Desinteresse
Quanto àqueles que não têm muita escolha antes de fechar um negócio, Francisco Gonçalves Martins, advogado do sindicato dos Aeroviários, acredita que os responsáveis são o Congresso Nacional, ao deixar de modernizar a CLT, e o Tribunal Superior do Trabalho que “deve construir uma jurisprudência mais favorável à execução”.
Nesse sentido, cita que os juros da execução trabalhista de 1% ao mês são baixíssimos, e que acaba valendo a pena para os devedores deverem. “Não há instrumentos para coagir o devedor a pagar”, critica Martins. O advogado também acredita que a Justiça é conservadora ao não aplicar o artigo 475-J do Código de Processo Civil, que determina que, se intimado na pessoa do seu advogado, o devedor não pagar voluntariamente a dívida, será fixada multa de 10%.
Ele vai mais a fundo e diz que o problema na Justiça do Trabalho é a “forma como montamos o Estado, baseado em um desequilíbrio econômico”. Ou seja, para ele, a execução é um gargalo pelo desequilíbrio entre o capital e o trabalho e a falta de interesse dos detentores de capital resolver.
Nesse cenário, diz que as centrais sindicais, movimentos sociais e advogados trabalhistas têm importância fundamental. “O direto não cai do céu. Temos o dever de contribuir e forçar esse debate de forma democrática”, alerta. Ele lembra que a CLT é foi aprovada em 1943, na época do governo de Getúlio Vargas e que “não corresponde mais aos anseios do trabalhador”.
Cartão de crédito
O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, lembrou que a Corregedoria Nacional de Justiça está estudando criar um sistema que permita, após a audiência em que o juiz dá sentença ou homologa acordo de conciliação, o pagamento imediato com cartão de crédito ao trabalhador, ao INSS e à Receita Federal. “É uma política para tornar a Justiça mais efetiva, uma forma de conseguir passar da decisão ao recebimento”, considera.
O assessor da presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, desembargador Cesar Marcos Carvalho não acredita no sucesso da ideia. “Não sei em que ponto valeria a pena, já que os juros dos cartões são mais altos do que da Justiça”, diz. Contudo, o desembargador observa que para resolver o problema é preciso ter criatividade.
Confusão
O ministro Ives Gandra chamou atenção para o uso de ações coletivas e ações civis públicas para o fim estrito a que foram criadas. Nesse sentido, explicou que ações coletivas são para pedidos de reparação, e a execução coletiva pode ser promovida pelo legitimado, após o trânsito em julgado do processo, com a certidão da sentença de liquidação no foro de sua residência. Dessa forma, não congestiona uma só vara.
Ações civis públicas se destinam a medidas futuras, para a parte fazer ou deixar de fazer algo após a sentença. Esse tipo de ação não permite que as execuções sejam feitas em varas distintas. Ou seja, confundir os dois tipos de ação pode fazer com que uma causa coletiva deva ser executada em uma só vara. “Não se pode colocar mais areia do que o caminhãzinho aguenta.”
Convênios
Questionados sobre medidas para acelerar a execução, todos os tribunais mencionaram os sistemas Bacenjud, Renajud e Infojud. O primeiro, convênio com o Banco Central, localiza e bloqueia contas bancárias em nome do devedor, o segundo, com o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), bloqueia automóveis, e o terceiro dá acesso banco de dados da Receita Federal.
Convênios com Junta Comercial, cartórios de registro de imóveis, de protesto de título, e, em último caso, inscrição da dívida na Serasa também são usadas. Os dois primeiros servem mais à localização de bens e informações. Com o protesto de título, além de arcar com despesas cartorárias, o devedor fica impossibilitado de ter crédito na praça.
O TRT-1 (RJ) está negociando com a associação de registro de imóveis do estado para que as penhoras só sejam cobradas do devedor final, já que muitas vezes o trabalhador não tem dinheiro para custeá-la, e o TRF-4 informou que seus juízes também têm acesso direto ao banco de dados da Previdência Social.
Em 2010, o TRT-18 (GO) determinou às varas do trabalho que as consultas ao Bacenjud e Renajud fossem renovadas, em casos nos quais a execução estava estagnada, na busca de bens a serem penhorados. A medida se baseou no cumprimento da Meta 3, que previa a redução do saldo de processos pendentes de execução em 10% e de processos de execução fiscal em 20%.
O TRT-15 (Campinas) atribui aos convênios o aumento de 148% em sete anos dos valores pagos aos reclamantes: o valor das dívidas de reclamações trabalhistas pagas saltaram de R$ 454.437.692,29, em 2003, para R$ 1.127.118.429,81 em 2010. “Cerca de 65% dos valores pagos aos reclamantes neste último ano foram decorrentes de execução”, conta Edison dos Santos Pelegrini, juiz auxiliar da Presidência do Tribunal Regional da 15ª Região.
Cálculos
Segundo o juiz Ivo Daniel Póvoas, do TRT-5 (BA), o congestionamento da execução é causado, em grande parte, pela falta de liquidez das sentenças, dadas na fase de conhecimento, além da dificuldade de localizar bens dos devedores.
Ele explica que quando a sentença já é líquida, ou seja, já estabelece o valor certo a ser executado, a fase de execução é bastante abreviada. “Nos demais casos, tem que se discutir os cálculos e iniciar a liquidação. É como iniciar um novo processo, já que o juiz deve dar outra decisão, da qual cabe recurso.”
Para solucionar essa questão, sugere que os juízes deem, sempre que possível, sentenças líquidas. Nesse sentido, conta que a Central de Execuções do tribunal, da qual faz parte, tem estimulado e dado condições estruturais e de informática para capacitar os servidores e permitir mais sentenças sejam líquidas. “Temos tido alto índice de sentença líquida, mas para isso o juiz precisa ter equipe, com calculista e assessores.” Pelos seus cálculos, cada juiz tem aproximadamente 10 mil processos.
A Central, que administra com outras duas juízas, foi criada oficialmente em abril de 2010 e coordena todos os mais de 100 oficiais de Justiça das 40 varas da capital baiana. Além de mais proximidade com os oficiais, ele acredita que a existência de só uma liderança permite um trabalho mais homogêneo, orgânico.
O desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon, corregedor do TRF-4, também acredita no valor dos números para agilizar a execução. Por isso, diz, o tribunal treina seus servidores para fazer os “cálculos de atualização de valores e outras contas menos complexas, o que evita a sobrecarga de trabalho nas Contadorias Judiciais, que ficam responsáveis pelos cálculos de maior complexidade”.
Leilão
Póvoas explica que na Central de Execuções são feitos leilões unificados em todas as comarcas do estado. Com todos os bens penhorados por todas as varas da comarca, a publicidade é maior, e consequentemente o público também. Assim, tem tido mais vendas com melhores preços.
O juiz observa que quem compra bens em leilão corre risco, porque além da burocracia, o processo de execução ainda pode ter recurso, e a venda pode ser revista. Contudo, garante que “normalmente dá certo”, e o valor pago pelo bem em leilão costuma ser bem mais barato do que seu valor de mercado.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região também tem uma boa experiência com a unificação de leilões. A Central de Hastas Públicas do Fórum de Execuções Fiscais para as subseções e varas de São Paulo já arrecadou de 2008 até maio de 2011 R$ 461 milhões. Lesley Gasparini, juíza federal da 2ª Vara de São Bernardo do Campo, conta que a unificação dá maior transparência e efetividade aos leilões, para os quais vêm a SP pessoas de todo o Brasil.
A juíza explica que no caso da Central paulista, os leiloeiros são credenciados na Justiça Federal, sob concordância da Fazenda Pública, que também passou a acompanhar mais de perto os processos depois da Central. A adesão às hastas pelos juízes não é obrigatória, e elas são presididas por um juiz federal.
Uma das criadoras da Central, Lesley Gasparini admite que copiou a ideia da Justiça trabalhista e adaptou para a legislação cível, que, dentre outras diferenças, prevê a realização de dois leilões.
Além da unificação dos leilões, a central oferece treinamento para os oficiais valorizarem o momento da penhora. Para isso, editou um manual de como avaliar os bens e o que buscar para a penhora. “De nada adianta pegar tudo e avaliar de qualquer jeito, nem superavaliar, porque o arrematante não vai comprar.”
O assessor da presidência do TRT-1, desembargador Cesar Marcos Carvalho, explica que tem centralizado as execuções contra o mesmo devedor em uma só vara e com isso consegue penhorar bens grandes, que nas penhoras individuais não poderia por excesso de penhora. Assim, um só juiz faz o leilão e reparte o valor nos processos das demais varas.
Consciência
Além das condições materiais, o juiz Ivo Daniel Póvoas do TRT-5 chama atenção para uma questão psicológica dos juízes que lidam com execução. Ele conta que eles têm uma tendência natural de dar mais importância à fase de conhecimento dos processos, até porque boa parte dela se dá na audiência. Por conta disso, com apoio da escola judicial, a Central de Execução do tribunal tem feito um trabalho de conscientização dos juízes, promovendo cursos para estimulá-los a voltar os olhos para a execução.
Ele pede que os juízes sejam solidários para não deixar todo o trabalho com a Central, já que algumas varas têm feito o que a Central faz. Ele defende que a sentença “não é nada mais do que um pedaço de papel com muita coisa escrita se não for transformada em dinheiro efetivo no bolso do ganhador”.
Dia após dia
A juíza federal Lesley Gasparini falou sobre sua experiência na área da execução fiscal e mencionou algumas atitudes cotidianas para agilizar a fase. Ela diz que tenta trabalhar por bloco, despachar no mesmo momento os processos que passam pelo mesmo andamento. Com isso, além da rapidez, padroniza os entendimentos. “Quando a Fazenda Pública já sabe a ordem que vou dar, se prepara melhor para agir.”
Ela também recomenda que, nos casos em que a lei permite, sejam apensados processos com o mesmo devedor, de modo a só se procurar o devedor uma única vez, e sua citação valer para todos os processos. Nesse sentido, considerada a dificuldade em se localizar o devedor, ela diz que nos processos em que ele manifesta interesse em pagar a dívida, ela dá mais atenção ao caso, porque “tem mais chance de ter um resultado”.
A juíza também conta que nos despachos em que ordena que o devedor seja citado, não se limita a dizer que as consequências do não pagamento ou parcelamento acontecerão nos termos da lei, mas se preocupa em especificar que vai promover os atos que tem a disposição, como bloqueios e buscas.
Nesse ponto, explica que a jurisprudência tem entendido que o juiz pode usar o sistema BacenJud de ofício, ou seja, antes do credor solicitar, desde que o devedor tenha sido citado e não responda em cinco dias.
O presidente do TRT-18, desembargador Mário Bottazzo, concorda com a juíza e cita que a 6ª Vara do Trabalho de Goiânia, passou a citar a parte devedora por seu advogado, pelo Diário da Justiça Eletrônico. “Antes, a citação era feita por mandado entregue pelo oficial de Justiça, o que demandava tempo e maiores custos operacionais.”
Recursos
Bottazzo chamou atenção para o fato de que “o cumprimento voluntário das condenações é muito raro e a insuficiência patrimonial, ao contrário, não é rara. E, mesmo que o devedor tenha meios para cumprir a obrigação, a lei prevê recursos, e sua utilização pelo devedor implica demora no cumprimento da decisão”.
Edison dos Santo Pelegrini, juiz auxiliar da presidência do TRT-15 (Campinas), também citou a sistemática recursal com um dos fatores do congestionamento da execução por permitir “que o devedor fique discutindo a dívida por um bom tempo”.
Conciliação
Questionados sobre medidas a serem tomadas para efetivar as execuções, os tribunais foram quase unânimes quanto ao aumento das conciliações. Carvalho, desembargador do TRT-1, disse que a implantação do sistema de conciliação na execução tem dado um resultado favorável. “Às vezes o devedor é inadimplente porque não tem condição de pagar no momento. Negociar a forma do pagamento, inclusive com parcelamentos, tem facilitado.”
Muitos anos após ter criado a Câmara Permanente de Conciliação, o TRT-18 criou em 2011 o Núcleo Permanente de Solução de Conflitos. O sucesso da iniciativa é tão grande que o tribunal tem uma taxa média de 51% de conciliação (mais da metade dos processos ajuizados resultam em acordo).
O TRT-15, por sua vez, criou o Grupo de Apoio à Execução (Gaex), que recentemente tem sido itinerante. Composto por dois juízes, o Gaex é acionado por varas do trabalho com alto índice de processos em execução, e busca a conciliação.
O Núcleo de Conciliação também foi implantado no tribunal para implantar políticas conciliatórias e dentre suas atribuições, atua na interlocução com outros tribunais ou órgãos, treina juízes e servidores em métodos consensuais de solução de conflitos, e firma convênios e parcerias com entes públicos e privados.
Dívida pública
A defensora pública do estado de São Paulo, Renata Flores Tibyriçá, lembra o outro lado da moeda: as execuções contra o Estado. Coordenadora da unidade da Fazenda Pública da DPE-SP, ela diz que atualmente o governo paulista tem pago os precatórios que entraram na fila em 1998 e o município de São Paulo, os em 2001.
Tibyriçá conta que o pagamento dos precatórios de até R$ 19mil não demoram nem um ano, mas acima disso, os dez anos do processo de conhecimento são seguidos por mais dez ou 12 da execução. A situação é tão crítica que existe um mercado de precatório, em que pessoas compram os créditos por valores inferiores pela falta de perspectiva do credor em recebê-lo.
A defensora não vê solução a curto prazo, e acredita que falta vontade política para resolver o problema, já que faltou preocupação para o problema chegar a esse ponto. Deixando claro desconhecer as condições financeiras estatal, defende que deveria ser disponibilizado mais dinheiro para os pagamentos. “As pessoas têm direito a acessar o Judiciário e serem ressarcidas pelos danos sofridos.”
Apesar de reconhecer que o interesse público é indisponível, e portanto não pode ser transacionado pelos procuradores que representam o estado, a longo prazo ela sugere que, o estado faça conciliações e evite tantos recursos. “A participação em acordos pode acontecer quando a responsabilidade do Estado é reconhecida em casos semelhantes”, diz, e cita a indenização aos 111 mortos na invasão do Carandiru.
Nesse sentido, lembra que no caso do acidente durante a construção da estação de Pinheiros do metrô, a Defensoria atuou em 65 casos. Destes, 61 resultaram em acordo e quatro constituíram um advogado particular. “A empresa se baseou na jurisprudência sobre o assunto e evitou um grande custo e desgaste da imagem”, explica.
Quanto aos recursos, a defensora observa que a apresentação de todos os recursos possíveis acaba muitas vezes por aumentar o valor da dívida (com juros, correção e atualização monetária) quando a condenação não é revertida, e significa um custo maior.
Por Gabriela Rocha, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2011, 17h27
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15 de junho de 2011 |

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