Novo CPC abre novos modelos de participação da Defensoria nos litígios

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Oportunamente, o novo Código de Processo Civil[1] parece rumar definitivamente em direção à solução consensual de disputas. Aderindo à denominada “cultura da paz” em detrimento da “cultura da sentença”, os métodos extrajudiciais foram homenageados como norma fundamental no artigo 3º, §2º, donde se pressupõe sua relevância estrutural e normativa para a novel codificação.[2]
O destaque conferido pelo legislador aos métodos extrajurisdicionais demonstra que o novo CPC pretende dialogar com as técnicas autocompositivas (em que as próprias partes buscam uma solução consensual para a disputa, com ou sem o auxílio de um terceiro facilitador) e heterocompositivas (em que um terceiro é chamado a intervir e pôr fim ao litígio), imprimindo esforços para vencer a crise de efetividade na solução de controvérsias.
Mais do que mera previsão, o novo código traça verdadeira política pública de extrajudicialidade, diretriz que obriga o Estado a priorizar as práticas compositivas (art. 3º, §2º), incluindo a realização de programas e ações tendentes a estimular e facilitar os métodos consensuais, quer diretamente por meio de seus órgãos, quer indiretamente por meio de entes privados ou não governamentais.
Nesta esteira, a mudança no CPC conferiu a todos os sujeitos processuais — inclusive à Defensoria Pública — o dever de estimular à solução consensual dos conflitos (art. 3º, §3º), convocando os protagonistas do Sistema de Justiça à promoção da cultura não adversarial.[3]
Dentre os instrumentos incluídos no novo CPC para promover o fortalecimento da política de pacificação, faz-se curial destacar: i) a inclusão de conciliadores e mediadores como auxiliares da justiça (Título IV, Capítulo III, Seção V); ii) a positivação dos princípios informadores das práticas conciliatórias (art. 166, caput); iii) a liberdade procedimental no processo consensual (art. 166, §4º); iv) o incentivo à resolução extrajudicial de conflitos envolvendo a Administração Pública (art. 174); v) a inclusão da etapa consensual no procedimento de tutelas urgentes (art. 303, §1º, inc. II); vi) a necessidade de indicação expressa do autor, como requisito da petição inicial, acerca do interesse na composição consensual (art. 319, inc. VII); vii) a possibilidade de realização de mais de uma sessão conciliatória (art. 334, §2º); viii) o uso de instrumental eletrônico (art. 334, §7º); ix) a especial contagem do prazo para a contestação (a partir da última sessão de mediação ou do pedido de cancelamento efetuado pelo requerido – art. 335, incs. I e II); x) a inclusão de etapa consensual prévia no procedimento previsto para conflitos familiares (art. 695).[4]
No mesmo sentido, as Leis 13.129/15 e 13.140/15, que tratam, respectivamente, da ampliação e reforma da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) e da Lei Geral sobre Mediação e Meios Alternativos de Solução de Controvérsias, tornam ainda mais robusta a opção do legislador pelo uso dos métodos consensuais, deixando claro que essas técnicas pretendem se estabelecer de vez na política de resolução de conflitos brasileira.[5]
Em relação à Defensoria Pública, os ventos institucionais também parecem soprar a favor da metodologia extrajudicial. Com o advento da EC 80/2014, incluiu-se a defesa extrajudicial dos direitos individuais ou coletivos dos necessitados dentre as missões constitucionais da Instituição Cidadã. A normativa encontra ainda respaldo na LC 80/94, que prevê a promoção prioritária da solução extrajudicial dos litígios como dever funcional dos defensores públicos (artigo 4º, inciso II).
Cotejando ambos os textos citados, parece óbvio que ao defensor público não cabe a liberdade de optar entre uma postura judicializante ou desjudicializante. Ao invés, mantida sua independência funcional, cumpre-lhe obrigatoriamente privilegiar a via extrajudicial de composição de controvérsias, dando azo à judicialização apenas em casos insuperáveis, cuja necessidade assim exigir.
Dada à sua importância, vale, portanto, um esforço analítico sobre os modelos de atuação consensual envolvendo a Defensoria Pública e os demais órgãos do sistema de Justiça, tema que deverá pautar a construção de uma política integrada de tratamento consensual de conflitos nos próximos tempos.
Assim, no que concerne à integração entre os órgãos que prestam a tutela extrajudicial, é possível classificar a atuação da Defensoria Pública segundo três modelos principais:
a) modelo estimulativo: em que a Defensoria se utiliza da estrutura pessoal e administrativa de outras instituições (ex: Cejuscs), promovendo o encaminhamento de demandas, sem participar efetivamente do processo consensual desenvolvido;
b) modelo cooperativo: em que a Defensoria se utiliza da estrutura pessoal ou administrativa de outras instituições, mas efetivamente participa do processo consensual desempenhado;
c) modelo autônomo: em que a Defensoria, por meio de recursos financeiros e administrativos próprios, consolida uma política institucional de resolução extrajudicial de litígios, perseguindo as finalidades constitucionalmente atribuídas à instituição.
De saída, é preciso pontuar que o modelo estimulativo é o que mais se afasta do perfil constitucional de Defensoria Pública, razão pela qual deve ser considerado, no mínimo, descontextualizado, refutando maiores notas explicativas.
Já o modelo cooperativo faz-se merecedor de duas críticas. Por primeiro, sua adoção implica em uma nova aposta na monopolização dos métodos de resolução dos conflitos nas mãos do Poder Judiciário, caminho este que já se demonstrou improdutivo no passado, contrariando também a concepção pluralística e interdisciplinar que permeia a metodologia da extrajudicialidade. Por segundo, a ausência de uma política institucional própria de resolução dos litígios impede a consecução de finalidades perseguidas de perto pela Defensoria Pública, como a emancipação comunitária, a inclusão social e a redução da marginalização. Isoladamente, portanto, o modelo cooperativo não parece cumprir com os objetivos delineados à Instituição Cidadã pela Carta Democrática de 88.
Nesta perspectiva, adota-se como ideal o modelo autônomo, em que a finalidade transformativa – e não apenas reprodutiva – da atuação da Defensoria Pública seja implementada através dos métodos consensuais, garantindo a todos os usuários que entreguem seus conflitos à instituição a salvaguarda da prática compositiva.
Em que pese esta opção, ao menos nesta quadra da história, a realidade obriga a enxergar o óbvio: os obstáculos estruturais e orçamentários por que passa a Defensoria Pública impedem a consolidação imediata do modelo autônomo em todos os rincões do país. Por isso, este perfil de atuação deve ser encarado como verdadeiro ponto de chegada (e não como ponto de partida) frente à política interinstitucional de tratamento adequado dos conflitos.
Nessa linha, como modelo potencialmente construtivo, levando em consideração as limitações apontadas, ergue-se a bandeira do modelo autônomo-cooperativo de atuação extrajudicial, em que demandas sensíveis da população hipossuficiente seriam priorizadas e trabalhadas internamente pela instituição, inclusive mediante apoio dos setores multidisciplinares das Defensorias Públicas, enquanto os conflitos de massa, identificados como de baixa complexidade, seriam encaminhados através de convênios e parcerias a órgãos externos, sem prejuízo da efetiva participação do defensor público no processo consensual desempenhado.
Com isso, assume-se a momentânea insuficiência administrativa e estrutural da Defensoria Pública para solucionar todos os inúmeros conflitos que batem à sua porta, priorizando, ao mesmo tempo, a resolução extrajudicial de demandas mais caras ao público necessitado (como a mediação em conflitos coletivos, a conciliação envolvendo órgãos da Administração Pública etc.), garantindo, ainda, a devida participação de defensores públicos nos conflitos encaminhados aos centros especializados de resolução de disputas.
Importante, neste ínterim, a fim de consolidar uma política extrajudicial autônoma e efetiva, que a Defensoria Pública se movimente no sentido de angariar e destinar recursos à criação e estruturação de câmaras internas de mediação, conciliação e outras metodologias consensuais (como centros de práticas restaurativas), investindo na contratação/formação de profissionais com capacitação específica (mediadores, conciliadores, árbitros etc.), de modo a evitar futuro amadorismo.
Possível imaginar ainda, como política extrajudicial externa a ser desempenhada pela Defensoria, o desenvolvimento de atividades estratégicas como mutirões de conciliação e mediação em áreas habitadas por população de baixa renda e a educação em direitos para formação de mediadores comunitários, medidas estas que tendem a fortalecer a ideia de um modelo autossustentável de atuação consensual, nos termos acima considerados.
Sem a pretensão de esgotar o tema, o qual certamente receberá reflexões institucionais vindouras, acredita-se ser este o caminho mais lúcido a ser perseguido pela Defensoria Pública, frente à política extrajudicial a ser inaugurada pelo novo CPC e pelos textos legislativos ventilados. Como se costuma dizer na mediação: “o foco deve ser no presente, para que se possa colher no futuro”.
* O curto ensaio apresentado compõe uma série de estudos desenvolvidos por estes autores a respeito dos reflexos que o novo CPC implicará à Defensoria Pública, condensados no artigo intitulado “A Defensoria Pública e o Novo Código de Processo Civil” (a ser publicado).
[1] Doravante denominado novo CPC.
[2]Art. 3º, novo CPC: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (…) §2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
[3] Art. 3º, novo CPC: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (…) 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
[4] Cabível, neste ponto, uma ressalva: embora o artigo 695 do novo CPC aparentemente ordene a realização de audiência de conciliação ou mediação nos procedimentos familiares, tal não deverá ocorrer quando a audiência puder representar um risco a uma das partes litigantes, em especial, quando envolver violência doméstica. Neste caso, a norma deve ser excepcionada, em função da adequação da tutela jurisdicional às necessidades e circunstâncias do direito material submetido a julgamento.
[5] Há, contudo, aparente contradição entre o artigo 27 da Lei de Mediação, que prevê a designação da sessão judicial de mediação como ato obrigatório, e o artigo 334, §4º, do novo CPC, que acena pela não realização da audiência de conciliação ou mediação se ambas as partes manifestarem expresso desinteresse na composição consensual.
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6 de outubro de 2015 |

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