O prazo regressivo de 20 dias para audiência de conciliação ou mediação

0
AdamNews – Divulgação exclusiva de notícias para clientes e parceiros!
No procedimento comum traçado pelo novo Código de Processo Civil, não sendo o caso de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido, o juiz deverá designar audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 dias [1]. Em seguida, o réu deverá ser citado e intimado com no mínimo 20 dias de antecedência em relação à data da audiência (artigo 334, caput do CPC/2015) [2].
Na carta (artigo 248, parágrafo 3º) ou no mandado de citação (artigo 250, IV), além da menção ao dia e local de comparecimento, terá de ser destacado que o réu deverá comparecer à audiência de conciliação ou de mediação acompanhado de advogado ou de defensor público (artigo 334, parágrafo 9º). Com isso, será evitada a conduta equivocada, normalmente praticada pelos réus mais humildes e necessitados, que acabam comparecendo diretamente ao ato sem antes procurar o serviço jurídico-assistencial prestado pela Defensoria Pública, na crença de que o acompanhamento por profissional qualificado seria dispensável justamente por se tratar de audiência de conciliação ou de mediação[3].
Seria interessante, também, que a carta ou o mandado de citação realizasse a indicação do prazo de dez dias para que o réu possa manifestar expressamente seu desinteresse na audiência, como previsto no artigo 334, parágrafo 5º do CPC/2015. Desse modo, seria evitada a procura intempestiva pelo serviço jurídico-assistencial e prevenida a realização desnecessária da audiência de conciliação ou de mediação.
Segundo determina o artigo 334, parágrafo 3º do CPC/2015, “a intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado”. Caso esteja sendo patrocinado pela Defensoria Pública, no entanto, o autor deverá ser pessoalmente intimado para comparecer à audiência, não bastando apenas a intimação pessoal do defensor público. Não sendo automaticamente determinada a intimação do assistido pelo magistrado, poderá o membro da Defensoria Pública requerer a realização da diligência, na forma do artigo 186, parágrafo 2º do CPC/2015, já que o comparecimento para realizar eventual transação em audiência é providência da própria parte, não podendo o membro da Defensoria Pública aceitar composição sem a presença do assistido, ante a ausência de poderes especiais advindos da relação estatutária mantida entre a instituição e o usuário do serviço.
A audiência de conciliação ou de mediação apenas não será realizada (i) se ambas as partes se manifestarem em sentido contrário, ou (ii) se o direito material em litígio não comportar nenhuma modalidade de autocomposição (artigo 334, parágrafo 4º).
Comparecer à audiência de conciliação ou mediação constitui dever processual das partes. De acordo com o artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do estado” [4].
Diferentemente do que ocorria na legislação processual anterior, a audiência de conciliação ou mediação será realizada antes do oferecimento da defesa. Havendo acordo entre as partes, a autocomposição será homologada pelo juiz e, tendo ela abrangido todo o objeto litigioso, o processo será extinto com resolução do mérito (artigo 487, III do CPC/2015). Sendo frustrada a autocomposição, o prazo para a resposta do réu começa a correr a partir da data da audiência (artigo 335, I do CPC/2015).
Realizada essa breve análise do procedimento comum traçado pela nova legislação processual civil, surge a seguinte questão: a prerrogativa de contagem duplicada dos prazos processuais deve ser aplicada ao prazo de 20 dias que deve anteceder à audiência de conciliação ou de mediação a partir da citação do réu (artigo 334, caput do CPC/2015)?
Em linhas gerais, os prazos processuais podem ser definidos como a “quantidade de tempo dentro do qual deve ser praticado cada ato processual ou cujo transcurso constitui pressuposto de validade de algum ato processual” [5]. No caso do artigo 334, caput do CPC/2015, o legislador não estabelece um prazo para que determinado ato processual seja praticado, sendo previsto um período de tempo que obrigatoriamente deve transcorrer para que a audiência de conciliação ou mediação possa ser realizada. Com isso, resta evidenciada a caracterização do que a doutrina denomina de prazo processual regressivo, que constitui justamente o período de tempo previsto em lei que deve escoar para que determinado ato processual seja validamente praticado. Nesse sentido, leciona o professor Leonardo Greco, com sua tradicional didática:
“A maioria dos prazos estabelece o período de tempo no qual cada ato deve ser praticado (CPC de 1973, artigo 177; CPC de 2015, artigo 218). A fonte de Direito Processual que dispõe sobre o procedimento, que no nosso caso é preponderantemente a lei, deve estabelecer a seriação dos atos do processo e a quantidade de tempo em que cada um deverá ser praticado. O prazo é justamente esse espaço de tempo reservado para a prática de cada ato. Há, entretanto, outra espécie de prazos, que chamo de regressivos, porque, na verdade, o período de tempo previsto pela lei deve transcorrer para que algum ato seja praticado validamente, e não para que nesse espaço de tempo algum ato seja praticado. É, por exemplo, o prazo de dez dias que deve anteceder, no procedimento sumário do Código de 1973 (artigo 277), a audiência de conciliação a partir da citação do réu, ou, no procedimento comum do código de 2015 (artigo 334), o prazo de 20 dias que deve anteceder a audiência de conciliação ou de mediação a partir da citação do réu”[6].
Sendo assim, o prazo processual de 20 dias estabelecido no artigo 334, caput do CPC/2015, constitui pressuposto processual de validade para a realização da audiência de conciliação ou de mediação. Não sendo respeitado esse prazo, não poderá a audiência ser validamente concretizada.
Por possuir a natureza jurídica de prazo processual regressivo, o período de 20 dias entre a citação do réu e a data da audiência de conciliação ou de mediação (artigo 334, caput do CPC/2015) deve sofrer naturalmente a incidência da prerrogativa de prazo em dobro estabelecida nos artigos 44, I, 89, I e 128, I da LC 80/1994 e artigo 186 do CPC/2015. A contagem duplicada do prazo, nesse caso, objetiva garantir ao membro da Defensoria Pública tempo hábil para realizar o atendimento do réu, analisando sua versão sobre os fatos e as provas que podem eventualmente sustentar suas alegações. Somente assim, poderá o defensor público determinar a perspectiva de êxito da demanda e o grau de vantagem que eventual autocomposição poderá apresentar para a parte patrocinada.
Além disso, a prévia orientação jurídica disponibilizada pela Defensoria Pública permite que o réu compareça à audiência de conciliação ou de mediação consciente de seus direitos e de suas responsabilidades, facilitando o processo de autocomposição[7]. O desconhecimento gera a insegurança e, consequentemente, faz surgir na mente daquele que está prestes a assinar um acordo diversas perguntas inquietantes: “Será que essa proposta está boa? Será que não posso conseguir mais? Será que com um pouco mais de negociação não consigo uma proposta melhor? Será que os outros vão me achar um mal negociador ou meus amigos vão me recriminar por não ter perseguido uma oportunidade mais vantajosa?”[8].
Esse processo mental hermético e cíclico acaba desviando o foco da audiência e, muitas vezes, inviabilizando a própria autocomposição. Quanto menos a parte se sentir surpreendida ou vulnerável, mais ela se entrega, sem reservas ou barreiras, ao processo de mediação ou de conciliação, tornado mais fácil a tarefa de identificar os interesses antagônicos e de realizar a composição entre posições aparentemente inconciliáveis[9]. Justamente por isso, o atendimento jurídico prévio realizado pela Defensoria Pública possui notável importância para que a audiência de conciliação ou de mediação possa alcançar o resultado final pretendido. E para que o defensor público possa superar as tradicionais dificuldades decorrentes do grande volume de trabalho, da histórica deficiência estrutural do serviço jurídico-assistencial público e do princípio da indeclinabilidade das causas, a duplicação do prazo estabelecido no artigo 334, caput do CPC/2015, constitui medida crucial.
Sob essa perspectiva, se a prévia orientação jurídica do réu potencializa as chances de autocomposição dos conflitos e se a prerrogativa de prazo em dobro serve como instrumento de viabilização do adequado atendimento da parte pela Defensoria Pública, a duplicação do prazo regressivo estabelecido no artigo 334, caput do CPC/2015, não representa propriamente uma violação ao princípio da celeridade, mas autêntico instrumento de prevenção do prolongamento desnecessário dos litígios.
No cotidiano forense, entretanto, subsistem razões de ordem prática que podem acabar afastando a observância da prerrogativa de prazo em dobro em relação ao artigo 334, caput do CPC/2015. Isso porque, no momento da designação da audiência, normalmente não possui o magistrado condições de determinar se o réu será patrocinado pela Defensoria Pública ou se realizará a contratação de advogado particular para a defesa de seus interesses. Todavia, mesmo que circunstâncias ordinárias acabem fazendo com que a citação do réu ocorra menos de 40 dias antes da audiência, caso o membro da Defensoria Pública entenda ter havido prejuízo à prestação da assistência jurídica gratuita à parte patrocinada, poderá requerer a redesignação do ato por violação da prerrogativa de contagem duplicada dos prazos. Nada impede, porém, que a audiência seja normalmente realizada, desde que o defensor público se manifeste expressamente acerca da ausência de prejuízo para o comparecimento à audiência na data originalmente aprazada, seja por petição, seja na própria audiência que, eventualmente, não tenha sido cancelada.
Por fim, embora ainda não exista material doutrinário ou jurisprudencial capaz de retratar adequadamente a controvérsia, devemos ressaltar que vozes autorizadas vêm sustentando que a prerrogativa de prazo em dobro não deveria ser aplicada ao artigo 334, caput do CPC/2015, pois a intimação seria apenas para o comparecimento em audiência, caracterizando ato a ser praticado pela própria parte. Ademais, como na audiência de conciliação ou de mediação não seriam discutidas teses jurídicas de defesa, não haveria justificativa para a duplicação do prazo. Pensar o contrário significaria frustrar o princípio da razoável duração do processo, previsto no artigo 4º do CPC/15, já que com o ingresso da Defensoria Pública por meio da representação de uma das partes naturalmente haveria a necessidade de redesignação do ato processual, diante de eventual inobservância do prazo mínimo de 40 dias. Ademais, aduz-se que não há uma preclusão para a autocomposição no curso da lide. É dizer, a audiência não é o único espaço de transação, já que o acordo entre as partes pode ocorrer em qualquer fase do processo. Do mesmo modo, não há nenhum obstáculo processual a que as partes possam buscar a mediação durante o curso da instrução processual, ainda que já superada a audiência inaugural do rito comum.
Enquanto não são consolidados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a matéria, resta somente a espera pelas cenas dos próximos capítulos dessa rapsódia que apenas se inicia.
[1] A audiência poderá ser de conciliação ou de mediação, dependendo do conflito e, consequentemente, do tipo técnica a ser empregada para a resolução do litígio. De acordo com o artigo 165, parágrafos 2º e 3º do CPC/2015, será utilizada a conciliação “nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes” e a mediação, “nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes”.
[2] “A diferença entre a antecedência da designação da audiência (30 dias) e da citação e intimação do réu (20 dias) deve-se justamente ao tempo necessário para as providências de citação e intimação após a designação da audiência.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às Alterações do Novo CPC, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 453).
[3] Importante destacar que o artigo 154, VI, do CPC/2015 confere ao oficial de Justiça a incumbência de “certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber”. Sendo certificada a proposta de autocomposição, o juiz deverá determinar a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de cinco dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.
[4] Justamente por isso, o Enunciado 273 do Fórum Permanente de Processualistas Civis estabelece que “ao ser citado, o réu deverá ser advertido de que sua ausência injustificada à audiência de conciliação ou mediação configura ato atentatório à dignidade da Justiça, punível com multa do artigo 334, parágrafo 8º, sob pena de sua inaplicabilidade”.
[5] GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2015, pág. 349.
[6] GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2015, pág. 349.
[7] O processo de autocomposição não pode se converter em “peligroso instrumento para aumentar el poder de los fuertes que se aprovechan de los débiles. A causa del informalismo y la consensualidad del proceso, y por lo tanto a causa de la ausencia de normas procesales y substanciales, la mediación puede agravar los desequilibrios de poder y abrir la puerta a la coerción y la manipulación que practica la parte mas fuerte.” (BUSH, Robert A. Baruch. FOLGER, Joseph P. La promesa de la mediacion – Cómo afrontar el conflicto mediante la revalorización y el reconocimiento, trad. Aníbal Leal, Buenos Aires: Granica, 2008, pág. 50).
[8] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A mediação e a necessidade de sua sistematização no processo civil brasileiro. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, 2012, ano XXIV, n.25, pág. 114.
[9] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. cit., pág. 115.
Por Franklyn Roger Alves Silva, defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre e doutorando em Direito Processual pela Uerj e coautor do livro “Princípios Institucionais da Defensoria Pública”. E  Diogo Esteves, defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestrando em Sociologia e Direito pela UFF e coautor do livro “Princípios Institucionais da Defensoria Pública”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2015, 8h05
Share Button
15 de setembro de 2015 |

Deixe uma resposta

Idealizado e desenvolvido por Adam Sistemas.
Pular para a barra de ferramentas

Usamos cookies para garantir uma melhor experiência em nosso site. Leia nossa Política de Privacidade.
Você aceita?

Configurações de Cookie

A seguir, você pode escolher quais tipos de cookies permitem neste site. Clique no botão "Salvar configurações de cookies" para aplicar sua escolha.

FuncionalNosso site usa cookies funcionais. Esses cookies são necessários para permitir que nosso site funcione.

AnalíticoNosso site usa cookies analíticos para permitir a análise de nosso site e a otimização para o propósito de a.o. a usabilidade.

Mídia SocialNosso site coloca cookies de mídia social para mostrar conteúdo de terceiros, como YouTube e Facebook. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

PublicidadeNosso site coloca cookies de publicidade para mostrar anúncios de terceiros com base em seus interesses. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

OutrosNosso site coloca cookies de terceiros de outros serviços de terceiros que não são analíticos, mídia social ou publicidade.