Sobre o Princípio da Confidencialidade na Mediação e na Conciliação

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1. Introdução
A conciliação e a mediação fazem parte das formas alternativas de resolução de conflitos em conjunto com a arbitragem. A diferença é que as primeiras são pacíficas, dependentes de autocomposição e a segunda depende da heterocomposição, resolvida por um terceiro, o árbitro.
É nítido que o CPC/2015 valoriza e aposta na utilização dessas formas alternativas e consensuais de resolução de conflitos, ao estabelecer uma norma promocional, incentivando-as no art. 3º., §§ 2º. e 3º.. Além disso, estabelece uma audiência de conciliação, que, para não ocorrer, depende da negativa de ambas as partes (art. 334, CPC), sendo quase obrigatória (1) e ainda inseriu uma seção dedicada aos conciliadores e mediadores judiciais.
No conjunto de textos normativos que fazem referência à mediação e à conciliação, o legislador faz menção aos princípios fundamentais dessas formas alternativas de solução de conflitos. A partir da análise do conjunto de textos normativos que tratam da mediação e da conciliação (Resolução n. 125/2010, do CNJ, CPC/2015 e Lei 13.140/2015), são identificados os seguintes princípios: independência, imparcialidade, autonomia vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade, decisão informada, busca do consenso, isonomia entre as partes, boa-fé, competência, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. Um dos mais importantes é o princípio da confidencialidade, aqui brevemente analisado (2).
2. Princípio da confidencialidade
Também denominado de princípio do sigilo, a exigência de confidencialidade é essencial para a garantia de que as sessões de mediação ou conciliação possam ter maior chance de sucesso. Isso porque, garantindo que as informações utilizadas nessas sessões não possam ser utilizadas no referido processo judicial e em outros, isso permite que as partes se sintam mais à vontade para estabelecer um diálogo aberto. Do contrário, sempre haveria o receio de uma determinada informação desfavorável, a exemplo de uma parte que aborda o problema envolvido, reconhecendo sua culpa poder ser utilizada no litigio judicial. A principal função da confidencialidade é a de proteger os seus participantes no caso de ausência de acordo, impedindo que possam ser utilizadas em seu desfavor no processo judicial (3).
A relevância do princípio da confidencialidade é tão grande, que, na Diretiva da Mediação editada em 2008 pela União Europeia, embora constem apenas algumas regras gerais, há menção expressa a ele em seu art. 7º. (4).
A principal função da confidencialidade é a de proteger os seus participantes no caso de ausência de acordo, impedindo que possam ser utilizadas em seu desfavor no processo judicial (5).
Em decorrência do dever de confidencialidade, o facilitador não será obrigado a depor de fatos que envolvam o exercício de sua atividade, aplicando-se, no caso, o art. 448, II, do CPC/2015. Trata-se de um direito e de um dever essencial ao exercício de sua profissão.
A exigência da confidencialidade é um dos principais motivos pelos quais o juiz não pode atuar como mediador ou conciliador (para além da eventual falta de treinamento específico). É que, por um lado, as partes não iriam se sentir à vontade para fornecer dados confidenciais, que podem ser relevantes para que seja alcançado um consenso, por receio de que o juiz venha a ser influenciado caso não seja alcançado sucesso na negociação. E, por outro, o juiz dificilmente conseguiria manter a imparcialidade tendo conhecimento de dados confidenciais, que não seriam revelados em um processo judicial no momento de proferir a sentença (6).
2.1. Pessoas atingidas pelo dever de confidencialidade
O dever de confidencialidade aplica-se não somente às partes, mas também ao conciliador, ao mediador, e aos membros de sua equipe, aos prepostos das partes, advogados, assessores técnicos e outras pessoas que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento. (art. 166, §2º., CPC c/c §1º., do art. 30, da Lei n. 13.140/2015). O dever de confidencialidade também se estende para as sessões privadas realizadas pelo mediador, que apenas poderá revelá-las com a autorização da parte (art. 31, da Lei n. 13.140/2015), dever que deve ser aplicado, analogicamente, à conciliação.
2.2. Informações protegidas
A confidencialidade abrange todas as informações produzidas no curso do procedimento. Os incisos I a IV, do §1º., do art. 30, da Lei n. 13.140/2015, tentam delimitar melhor que informações são essas, elencando as seguintes:
a) declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito;
b) reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;
c) manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;
d) documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
2.2.1. Exceções à confidencialidade
Tais informações só podem ser utilizadas caso autorizadas pelas partes e em sua exata medida (art. 166, §1º., CPC), nos casos em que a lei exija sua divulgação ou ela seja necessária para o cumprimento de acordo (art. 30, caput, da Lei n. 13.140/2015).
Além disso, ainda é possível a divulgação de informação obtida durante as sessões de mediação quando esteja relacionada com a ocorrência de crime de ação pública (art. 30, §3º., da Lei n. 13.140/2015), que deve ser aplicado por analogia à conciliação.
O texto normativo constante do § 4º., do art. 30, da Lei n. 13.140/2015, ainda determina o afastamento da regra da confidencialidade para impor que todos prestem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198, do CTN. Ou seja, as informações que interessem à administração tributária devem ser divulgadas, apenas com o objetivo do adequado exercício da fiscalização tributária, mas o sigilo delas passa a abranger também os servidores que operem com essa fiscalização. Assim, essas informações só podem ser liberadas para a administração tributária, que não pode usá-la para outros fins além de verificar a eventual incidência de tributos.
2.2.2. Confidencialidade e poder público
Há, na doutrina, certa preocupação em como conciliar o dever de confidencialidade e o princípio da publicidade da Administração Pública, em especial a partir da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que passou a prescrever o sigilo como exceção. Além disso, a Administração Pública é regida, em termos gerais, pelo princípio da publicidade (art. 37, caput, da CF), havendo ainda menção à publicidade no Poder Judiciário (art. 93, IX, da CF), reforçado e densificado pelo art. 8º., do CPC/2015.
De fato, é possível que a exigência de publicidade, na mediação, desencoraje algumas partes à realização de acordos com o poder público, justamente porque o seu interesse seria o sigilo. No entanto, haveria prevalência do interesse público na publicidade das informações, em detrimento do interesse no acordo sobre o litígio que envolva o poder público (7).
A mesma lógica foi seguida na autorização dos entes públicos na realização da arbitragem. É provável imaginar que, por diversas vezes, a arbitragem tenha um caráter confidencial, justamente para evitar os problemas inerentes à existência de um litígio, tais como a desconfiança do mercado em relação a uma empresa, a divulgação de informações desfavoráveis aos participantes etc. No entanto, o art. 1º., § 3º., da Lei 9.307/1996, com a redação dada pela Lei 13.129/2015 afirma expressamente que “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”. Assim, por mais que seja possível que isso afaste a realização de alguns procedimentos arbitrais com o poder público, mais uma vez prevaleceu o interesse público na transparência e na publicidade dos procedimentos que envolvam entes públicos. Essa mesma lógica deve ser aplicada à realização da mediação e da conciliação pelo poder público.
Por conta desses fatores, a mediação e a conciliação da qual faça parte o Poder Público não seriam abrangidas pelo dever de confidencialidade, com a exceção dos casos em que a própria Lei 12.527/2011 preserva o sigilo das informações (8). Como exemplo, seria possível mencionar informações que violem o respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 31, caput), que traga riscos à soberania nacional, que envolvam segredos industriais (art. 23) etc.
2.2.3. Dever de informar sobre a confidencialidade
O art. 14, da Lei n. 13.140/2015, afirma que, no início da primeira reunião de mediação, e, nos demais momentos em que julgue necessário, o mediador deve alertar as partes acerca da regra de confidencialidade, lição que também se aplica à conciliação. O enunciado n. 62 do ENFAM reforça esse dever do mediador, exigindo que esse alerta inclua também quais são as informações abrangidas pela confidencialidade. Muito embora já seja um conteúdo óbvio a ser extraído do art. 14, da Lei 13.140/2015, o referido enunciado tem alguma relevância para reforçar o conteúdo desse dever de alerta. A realização desse alerta sobre a confidencialidade tem por objetivo informar às partes que as informações produzidas não podem ser divulgadas, tentando promover um diálogo mais aberto.
2.2.4. Consequências da violação da confidencialidade
Caso um dos sujeitos abrangidos pela confidencialidade a viole, podem surgir diversas possibilidades: a) caso as informações sejam utilizadas em processo judicial ou arbitral, tem-se violação dos deveres de boa-fé e lealdade, tornando a prova ilícita (9), lição doutrinária que foi positivada pelo §2º., do art. 30, da Lei n. 13.140/2015; b) cabimento de indenização caso essas informações causem danos a uma das partes.
3. Aspectos conclusivos
Enfim, é perceptível que o princípio da confidencialidade é essencial ao sucesso das sessões de mediação e conciliação. Para que as partes possam se sentir à vontade para dialogar abertamente, as informações divulgadas nas sessões não podem ser utilizadas no mesmo ou em outros processos judiciais. Por isso a legislação determina a obediência desse dever a todos os que dela participem. Espera-se que essa detida regulamentação da temática possa ser devidamente aplicada nas sessões realizadas a partir do CPC/2015 e que possa auxiliar no sucesso dessas formas alternativas de solução de conflitos.
Notas:
(1) Sobre o tema. cf.: RIBEIRO, Sergio Luiz de Almeida; LIBARDONI, Carolina Uzeda. Algumas observações sobre a obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação no novo CPC. PEIXOTO, Ravi; MACEDO, Lucas Buril de; FREIRE, Alexandre. Doutrina selecionada – processo de conhecimento. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2.
(2) Para uma análise dos demais princípios, bem como de uma postura crítica acerca da natureza jurídica de alguns deles, cf.: PEIXOTO, Ravi. Primeiras impressões sobre os princípios que regem a mediação e a conciliação. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 152, 2015.
(3) KIRTLEY, Alan. The mediation privilege’s transition from theory to implementation: designing a mediation privilege standard to protect mediation participants, the process and the public interest. Journal of Dispute Resolution, n. 1, 1995, p. 10.
(4) Art. 7º. Confidencialidade da mediação. 1. Dado que se pretende que a mediação decorra de uma forma que respeite a confidencialidade, os Estados-Membros devem assegurar que, salvo se as partes decidirem em contrário, nem os mediadores, nem as pessoas envolvidas na administração do processo de mediação sejam obrigadas fornecer provas em processos judiciais ou arbitragens civis ou comerciais, no que se refere a informações decorrentes ou relacionadas com um processo de mediação, excepto: a) caso tal seja necessário por razões imperiosas de ordem pública do Estado-Membro em causa, em especial para assegurar a protecção do superior interesse das crianças ou para evitar que seja lesada a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ou; b) caso a divulgação do conteúdo do acordo obtido por via de mediação seja necessária para efeitos da aplicação ou execução desse acordo. 2. Nada no n. 1 obsta a que os Estados-Membros apliquem medidas mais rigorosas para proteger a confidencialidade da mediação.
(5) KIRTLEY, Alan. The mediation privilege’s transition from theory to implementation: designing a mediation privilege standard to protect mediation participants, the process and the public interest. Journal of Dispute Resolution, n. 1, 1995, p. 10.
(6) Nesse sentido: WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de. Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, p. 690. Fazendo referência ao árbitro, mas em lição igualmente aplicável ao processo jurisdicional estatal: SANDER, Frank J. A. Varieties of dispute processing. LEVIN, A. Leo; WHEELER, Russel R. The pound conference: perspectives of justice in the future. Saint Paul: West Publishing Co., 1979, p. 75-76.
(7) Nesse sentido, citando precedentes de cortes norte-americanas: LEATHERBURY, Thomas S.; COVER, Mark. Mediation public: exploring the conflict between confidential mediation and open government. SMU Law Review n. 46, 1993, p. 2229.
(8) SOUZA, Luciane Moessa; RICHE, Cristina Ayoub. Das câmaras de mediação. ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. A mediação no novo código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 183-185, 210, 219; SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos e a mediação de conflitos coletivos. Tese de Doutorado. Florianópolis: UFSC, 2010, p. 153.
(9) CUNHA, Leonardo Carneiro da. Notas sobre ADR, confidencialidade em face do julgador e prova inadmissível. Acesso às 17h, do dia 02 de julho de 2015.
Por Ravi Peixoto, Mestre em Direito pela UFPE. Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. Membro da Associação Brasileiro de Direito Processual – ABDPRO. Procurador do Município de João Pessoa.
Fonte: Portal Processual – 09/03/2016
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9 de março de 2016 |

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