Tutelas de urgência em arbitragens marítimas e a previsão de árbitros de emergência no Brasil, seguindo exemplo da Câmara de Comércio Internacional sediada em Paris

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O presente artigo abordará, inicialmente, as tutelas de urgência em arbitragens marítimas, à luz da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), especialmente em razão da regulamentação da Lei dos Portos (artigo 62, §1º da Lei nº 12.815/13), que passou a possibilitar ao direito marítimo/portuário a utilização da arbitragem como forma de resolução dos conflitos. Por fim, em razão da urgência nas medidas nas relações comerciais marítimas, o presente artigo discorrerá sobre o instituto do arbitro de emergência, já conhecido no cenário da arbitragem internacional, especialmente na Câmara de Comércio Internacional – CCI, sediada em Paris.
Inicialmente é importante frisar que o decreto 10.025/2019 (que alterou o decreto 8.465/2015), regulamentou o §1º do artigo 62 da lei 12.815/13 – Lei dos Portos, facultando o uso da arbitragem para dirimir conflitos relacionados ao inadimplemento, pelas concessionárias, arrendatárias e operadoras portuárias no recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Antaq, assim declarado em decisão final, impossibilita o inadimplente de celebrar ou prorrogar contratos de concessão e arrendamento, bem como obter novas autorizações.
Ou seja, com a entrada em vigor da redação do artigo, possibilitou-se às empresas portuárias levar a discussão – após o encerramento da discussão na via administrativa – ao tribunal arbitral, buscando-se, assim, uma via mais célere e mais técnica para a solução da demanda.
A arbitragem vem crescendo como meio alternativo, portanto, para a resolução de demandas no cenário nacional. São diversos os motivos pelos quais busca-se a arbitragem como via para resolução de conflitos, no lugar do de se buscar a solução pela via judicial, mas aqui, em razão foco estar no direito marítimo, chama-se atenção ao fato de que na arbitragem o árbitro utilizará de seu conhecimento agregado no âmbito da sua respectiva especialidade (no caso demandas do direito marítimo), pois o árbitro – via de regra – está totalmente familiarizado com o tema, solucionando o caso de forma mais equânime, através de sua própria experiência no assunto. Sobre o tema, a doutrina expõe o seguinte1:
“Outro aspecto que contribui à celeridade do processo arbitral é o fato de o árbitro estar totalmente familiarizado com o tema pelo qual ele foi eleito para decidir, o que confere muito maior objetividade quando ele se depara com as alegações, argumentos e provas trazidas aos autos pelas partes. (…)Terceiro, a depender do caso, e sempre desde que respeitado o convencionado entre as partes, o árbitro pode decidir por equidade (Lei 9.307/96, artigo 2º, caput), possibilidade que inexiste no Judiciário. Em outras palavras, o juiz está totalmente adstrito às fontes formais da lei para decidir (lei, jurisprudência, doutrina, costumes), enquanto o árbitro pode lançar mão das máximas de experiência e de todo conhecimento adquirido no âmbito da sua respectiva especialidade, para equilibrar a relação econômica e jurídica(…)”
Outra qualidade da arbitragem é a mitigação dos custos internos com a administração das disputas, considerando ser um caminho muito mais célere do que o processo judicial, eis que conforme artigo 23 da Lei de Arbitragem, o procedimento arbitral deve terminar após 06 (seis) meses, contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro, sabendo-se que a duração média de um processo judicial é de 4 (quatro) anos, sem contar o prazo para interposição de recurso aos Tribunais Superiores, segundo o Conselho Nacional de Justiça- CNJ2.
Pois bem, importante destacar que o procedimento arbitral tem início com a instituição do tribunal arbitral (§1º, artigo 19, da lei 9.307/96), sendo certo que os árbitros, após a formação do tribunal arbitral, possuem competência para conceder medidas cautelares (parágrafo único do artigo 22-B da lei 9.307/96).
A questão é que muitas vezes nas relações comerciais marítimas, nas quais o tempo é primordial, não há como se aguardar o regular trâmite para formação do tribunal arbitral e, consequentemente, a instituição da arbitragem, sob pena de se ter o direito fatalmente frustrado.
Nesse sentido, a solução do legislador foi atribuir ao judiciário a prerrogativa para conceder as tutelas de urgência nesses casos, ou seja, antes de instituída a arbitragem, conforme artigo 22-A da lei 9.307/96, sendo certo que, uma vez constituído o tribunal arbitral ele passa a ter jurisdição exclusiva sobre a demanda, podendo, inclusive modificar, manter ou revogar a medida cautelar concedida judicialmente, a teor do artigo 22-B da Lei nº 9.307/96. Nesse sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR. PRETENSÃO DE ASSEGURAR RESULTADO ÚTIL DE PROCEDIMENTO ARBITRAL FUTURO. CABIMENTO ATÉ A INSTAURAÇÃO DA ARBITRAGEM. A PARTIR DESSE MOMENTO, OS AUTOS DEVEM SER REMETIDOS PARA O JUÍZO ARBITRAL. RECURSO ESPECIAL PREJUDICADO.
1. As disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016.
2. A ação cautelar proposta na Justiça Comum para assegurar o resultado útil da arbitragem futura só tem cabimento até a efetiva instauração do procedimento arbitral.
3. A partir desse momento, em razão do princípio da competência-competência, os autos devem ser encaminhados ao Árbitro a fim de que este avalie a procedência ou improcedência da pretensão cautelar e, fundamentadamente, esclareça se a liminar eventualmente concedida deve ser mantida, modificada ou revogada.
(…)3″
Ato contínuo, no cenário internacional existe de forma sólida regulamentos de câmaras arbitrais, – a exemplo da  Câmara de Comércio Internacional – CCI, que será abaixo demonstrada – os quais trazem previsão do árbitro de emergência, figura responsável pela tomada de decisões mais imediatas, antes da instituição do tribunal arbitral, de modo que a jurisdição do árbitro de emergência se encerra a partir do momento que o tribunal arbitral efetivo é constituído.
O artigo 29 do Regulamento de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Internacional – CCI – uma das mais relevantes do mundo -, sediada em Paris, confirma que o instituto do árbitro de emergência é uma realidade (positivada) no exterior. Veja-se o que lá dispõe:
“Artigo 29
Árbitro de Emergência
1 A parte que necessitar de uma medida urgente cautelar ou provisória que não possa aguardar a constituição de um tribunal arbitral (“Medidas Urgentes”) poderá requerer tais medidas nos termos das Regras sobre o Árbitro de Emergência dispostas no Apêndice V. Tal solicitação só será aceita se recebida pela Secretaria antes da transmissão dos autos ao tribunal arbitral nos termos do artigo 16 e independentemente do fato de a parte que requerer a medida já ter apresentado seu Requerimento de Arbitragem.
2A decisão do árbitro de emergência tomará a forma de uma ordem. As partes se comprometem a cumprir qualquer ordem proferida pelo árbitro de emergência.
3A ordem do árbitro de emergência não vinculará o tribunal arbitral no que tange a qualquer questão, tema ou controvérsia determinada em tal ordem. O tribunal arbitral poderá alterar, revogar ou anular uma ordem ou qualquer modificação a uma ordem proferida pelo árbitro de emergência.
4 O tribunal arbitral decidirá qualquer pedido ou demanda das partes relativo ao procedimento do árbitro de emergência, inclusive a realocação dos custos de tal procedimento e qualquer demanda relativa a ou em conexão com o cumprimento ou não da ordem.
5 Os artigos 29(1)-29(4) e as Regras sobre o Árbitro de Emergência previstas no Apêndice V (coletivamente as “Disposições sobre o Árbitro de Emergência”) serão aplicáveis apenas às partes signatárias, ou seus sucessores, da convenção de arbitragem, que preveja a aplicação do Regulamento e invocada para o requerimento da medida.
6 As Disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando:
a)  a convenção de arbitragem que preveja a aplicação do Regulamento foi concluída antes da data de entrada em vigor do Regulamento;
b)  as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das Disposições sobre o Árbitro de Emergência; ou
c)  as partes tiverem convencionado a aplicação de algum outro procedimento pré-arbitral o qual preveja a possibilidade de concessão de medidas cautelares, provisórias ou similares.
7As Disposições sobre o Árbitro de Emergência não têm a finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente a qualquer momento antes de solicitar tais medidas e, em circunstâncias apropriadas, até mesmo depois de tal solicitação, nos termos do Regulamento. Qualquer requerimento de tais medidas a uma autoridade judicial competente não será considerado como infração ou renúncia à convenção de arbitragem. Quaisquer pedidos e medidas adotadas pela autoridade judicial deverão ser notificados sem demora à Secretaria”
Nos termos do referido artigo, interpreta-se que a Parte, quando necessitar de medida urgente, sem que se possa aguardar a instituição do tribunal arbitral, poderá solicitá-la ao árbitro de emergência, mas só poderá, obviamente, antes da transmissão dos autos ao tribunal arbitral.
A decisão do árbitro de emergência, por outro lado, não vinculará o tribunal arbitral quando instaurado, sendo que ele (tribunal) poderá alterar, revogar ou anular a ordem do árbitro de emergência.
Importante, ainda, destacar que, nos termos do referido artigo, a instituição do árbitro de emergência não impede a Parte de requerer medidas cautelares a autoridade judicial, se preferir, não sendo considerada a opção de requerimento cautelar pela via judicial como renúncia à convenção de arbitragem, a despeito de, conforme a redação do artigo, uma vez que as Partes tiverem convencionado a aplicação de algum procedimento pré-arbitral, o qual preveja a possibilidade de concessão de medidas cautelares (como a judicial por exemplo), a disposição do árbitro de emergência será afastada.
E em que sentido a previsão do árbitro de emergência auxiliaria nas demandas marítimas aqui no Brasil?
A doutrina brasileira4 entende que a previsão do árbitro de emergência em convenção arbitral tem como efeito afastar a atuação do Poder Judiciário nas tutelas de urgência, fundamentando-se na previsão do artigo 22-A da Lei de Arbitragem5, diante da possibilidade de decisão célere pelo árbitro de emergência.
Nesse sentido, como nas relações comerciais marítimas o tempo é determinante, o árbitro de emergência evitaria o deslocamento dos pedidos de urgência à via judicial, garantindo, aliás, às demandas marítimas – que muitas vezes envolvem valores expressivos- mais neutralidade e sigilo, que são características usuais dos procedimentos arbitrais.
Conclusão.
Como exposto neste artigo, com a entrada em vigor da redação do artigo 62, §1º na lei 12.815/13 – Lei dos Portos, possibilitou-se às empresas portuárias levar a discussão – após o encerramento da discussão na via administrativa – ao tribunal arbitral, buscando-se, assim, uma via mais célere e mais técnica para a solução da demanda.
Como visto, o procedimento arbitral tem início com a instituição do tribunal arbitral (§1º, artigo 19, da lei 9.307/96), sendo certo que os árbitros, após a formação do tribunal arbitral, possuem competência para conceder medidas cautelares (parágrafo único do artigo 22-B da Lei nº 9.307/96). Porém, muitas vezes nas relações comerciais marítimas, nas quais o tempo é primordial, não há como se aguardar o regular trâmite para formação do tribunal arbitral e, consequentemente, a instituição da arbitragem, sob pena de se ter o direito fatalmente frustrado.
Assim, a solução do legislador foi atribuir ao judiciário a prerrogativa para conceder as tutelas de urgência nesses casos, ou seja, antes de instituída a arbitragem, conforme artigo 22-A da lei 9.307/96, sendo certo que, uma vez constituído o tribunal arbitral ele passa a ter jurisdição exclusiva sobre a demanda, podendo, inclusive modificar, manter ou revogar a medida cautelar concedida judicialmente, a teor do artigo 22-B da lei 9.307/96.
Por outro lado, no cenário internacional existe de forma sólida regulamentos de câmaras arbitrais, – a exemplo da Câmara de Comércio Internacional – CCI, que trazem previsão do árbitro de emergência, figura responsável pela tomada de decisões mais imediatas, antes da instituição do tribunal arbitral, de modo que a jurisdição do árbitro de emergência se encerra a partir do momento que o tribunal arbitral efetivo é constituído.
No Brasil a previsão do árbitro de emergência evitaria o deslocamento dos pedidos de urgência para a via judicial, garantindo, aliás, às demandas marítimas, nas quais o tempo é fundamental – e que muitas vezes envolvem valores expressivos – mais neutralidade e sigilo, que, aliás, são características usuais dos procedimentos arbitrais.
__________
1 Direito da Arbitragem Marítima, José Gabriel Assis de Almeida e Sérgio Ferrari Filho, p.62.
2 Disponívfel aqui.
3 REsp n. 1.948.327/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021
4 Lei de Arbitragem Comentada, Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Matheus Lins Rocha e Débora Cristina Ferreira, pag. 319.
5 Art. 22-A.  Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.
Por Priscila Maria Alves dos Santos Pinto, advogada, graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), coordenadora jurídica de empresa do segmento portuário.
Fonte: Migalhas – quinta-feira, 5 de outubro de 2023.
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5 de outubro de 2023 |

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